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Mais chuva, mais seca, muito mais preocupação

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Por Washington Novaes
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Enquanto estas linhas são escritas, chove há quatro dias em Goiânia - quando há 30 anos as chuvas no período de estiagem (de abril a setembro) eram tão raras que até nome tinham as duas habituais: "chuva das flores" e "chuva do caju". Algo parecido com o que se verificava também no Cerrado paulista antes que, a partir da década de 1950, a remoção da vegetação nativa e a entrada da cana-de-açúcar e da soja, principalmente, mudassem tudo e tudo fosse possível em qualquer época - chuva e estiagem, frio e calor até no mesmo dia. E hoje tudo acontece ainda no momento em que a calamidade é a rotina em mais de mil municípios nordestinos, com a pior seca em décadas. Mas nem a cidade de São Paulo escapa aos dramas, tendo chovido em oito dias do início de junho mais de 100 milímetros, o que não acontecia em década e meia (Agência Estado, 9/6).Seminário da Unesp e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) em Pernambuco avalia (remaatlantico, 12/7) que o Nordeste é a região que mais sofre e sofrerá com as "mudanças do clima", seguido do Centro-Oeste. Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Manaus e Curitiba serão as cidades maiores com mais problemas. O Nordeste, já com mais 29 mil quilômetros quadrados sujeitos a problemas mais graves, apresenta manchas de "hiperaridez", que podem transformar-se em desertos. Outro estudo, da Universidade Federal de Alagoas, adverte que a média de chuvas na região - 800 milímetros anuais - é muito inferior à evapotranspiração, de 3 mil milímetros anuais.O Relatório de Avaliação Nacional sobre Mudanças Climáticas, com aval da Coppe-RJ e de 128 cientistas, prevê um Brasil mais vulnerável às consequências do aumento da temperatura (O Globo, 11/6), com secas mais severas na Amazônia e na Caatinga; temperaturas mais altas nas grandes cidades do Sudeste (devidas às "ilhas de calor"); a Caatinga podendo chegar a 50% menos de chuvas em 2050; mas também com alterações sérias no Pantanal, no Cerrado e em parte da Mata Atlântica; até o fim do século, as chuvas na Amazônia poderão reduzir-se em 45%, com aumento de 5 a 6 graus Celsius na temperatura; a Caatinga poderá perder 50% até 2100.Nossos custos (Estado, 14/6) chegam a US$ 6,9 bilhões em 20 anos, com 20,6 milhões de pessoas afetadas e mais de 3 mil mortas - somos o 13.º país em enchentes e 18.º em prejuízos, segundo a ONU. Mas o Serviço Geológico brasileiro (Agência Brasil, 3/7) afirma que temos 680 mil pessoas em áreas de alto risco, só nos 140 de 821 municípios já mapeados - a maioria no Nordeste. Na América Latina, segundo o Banco Mundial e outras instituições, os prejuízos com esses fenômenos chegam a US$ 100 bilhões anuais (Estado, 5/6). E seria necessário investir US$ 110 bilhões anuais, de modo a reduzir as emissões para duas toneladas anuais de dióxido de carbono (CO2) por pessoa (no Brasil, segundo o cientista britânico Nicholas Stern, elas estão acima de dez toneladas anuais per capita).Ainda nesta semana, o Comitê de Segurança Alimentar da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) pediu a todos os países estratégias de enfrentamento das mudanças e dos riscos de perda de colheitas, que afetarão principalmente os países mais pobres. Os custos dos desastres no mundo a partir de 1992 chegaram a US$ 2 trilhões. E nos "eventos extremos" morreu 1,3 milhão de pessoas, entre os 4,4 bilhões de afetadas por enchentes (2,4 bilhões) e tempestades (720 milhões), principalmente (Estado, 14/6). China e Índia lideram o indesejável ranking. 2010 e 2011 já foram anos dramáticos.A elevação do nível dos oceanos agrava as preocupações dos cientistas. Estudo da Natural Climate Change (6/7) afirma que mesmo com cortes profundos nas emissões de gases poluentes e baixa nas temperaturas médias até 2050 o aumento do nível dos oceanos será "inevitável" até o fim do século. No Ártico, a concentração de CO2 já chegou a 400 partes por milhão. Até a extração e o uso de águas subterrâneas agrava os problemas no mar.O ano de 2012 está sendo o mais quente na História dos Estados Unidos desde 1895 (Reuters, 8/6), 2,9 graus acima da média do século 20. China, Bangladesh, Japão estão de novo às voltas com fenômenos extremos, milhões de pessoas atingidas. A Rússia investiga se administradores relapsos contribuíram para as piores inundações e o maior número de mortes em décadas, com o volume de chuvas em uma hora superando o que era habitual em dois meses, em algumas regiões.É nesse quadro que se reuniram esta semana em Berlim os representantes de 35 países, na tentativa de um acordo que possa levar a compromissos de redução de poluentes na Convenção do Clima, em novembro, no Qatar. Aí, a primeira-ministra Angela Merkel, da Alemanha, disse que enfrentamos "grande perigo" e que as intenções dos países poluidores até aqui não bastam para enfrentar a questão. Mesmo contendo o aumento da temperatura planetária para até 2 graus em meados do século, o problema não estará resolvido Mas persiste o velho confronto: os países do Brics, o Brasil incluído, dizem que a obrigação é dos países industrializados, que emitem desde o início da revolução industrial e até há pouco emitiam mais que o resto do mundo; os países mais desenvolvidos retrucam que sem as nações em desenvolvimento, que hoje poluem mais, nada adiantará. E pedem que haja novo período de vigência do Protocolo de Kyoto. Com o mundo ainda subsidiando com US$ 1 trilhão anuais o uso de petróleo e de outros combustíveis fósseis. A ONU é contra e quer criar uma taxa sobre esse consumo. O Fundo Monetário Internacional (FMI) apoia e tem até proposta de punição para os poluidores.Reunidos na State of the Planet Declaration, 2.800 cientistas dizem que "o sistema Terra está em perigo". O Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas pede planos setoriais de mitigação de emissões aos setores mais poluentes. Mas ainda emitimos quase 2% do total mundial de poluentes. E os acordos estão difíceis internamente.E chove, chove, onde deveria ser estiagem. E piora a seca na Caatinga.* JORNALISTAE-MAIL: WLRNOVAES@UOL.COM.BR