01 de maio de 2014 | 02h09
Chega lá jogando com os pés da tal "pátria de chuteiras", mas sem cabeça para se aproximar mais dos efetivamente ricos. Nosso governo federal vende como lema a ilusão de que "país rico é país sem miséria". Mas, com o perdão da tautologia, país rico é o que tem mais riqueza acumulada, inclusive para lidar com seus menores bolsões de pobreza muitíssimo melhor que o Brasil. Aqui são "bolsoezões" e mal cuidados.
Com a carga tributária mais empréstimos, nosso governo como um todo toma perto de 40% do produto interno bruto (PIB), e esse total tem que ver com a folhona de que fala Velloso, pois é alta a pressão que coloca mais gente nela e há também aumentos dos valores que o governo paga, em particular com propósitos eleitoreiros.
Velloso apresentou seus números na última reunião mensal de conjuntura que a Fipe-USP realiza há anos, sob a competente condução do professor Fernando Homem de Mello. Ao iniciar, Velloso gentilmente disse que, entre outras razões, estava lá para me entregar os números que me prometera na citada conversa, e lhe sou muito grato. Ele falou das cifras do Orçamento de 2012 e de suas perspectivas atuais, mas, quanto aos números da folhona da União, os que tinha eram de 2008. Muito úteis, mais adiante mostrarei que os atuais já são bem maiores.
O total naquele ano era de 49.179.214 (!) pessoas, com todos os algarismos para realçar sua enorme dimensão, que então equivalia a cerca de 1/4 da população do País. Sem contar os dependentes, que, se dois por pessoa, dobrariam esses números. Prosseguirei com o tamanho de cada subgrupo em 2008 e, entre parênteses, a porcentagem que representou dos gastos da União em 2012 - e o total alcançou 73,7%(!) desses gastos.
Em ordem decrescente dessa porcentagem, os números são: 7.316.041 de beneficiários do INSS recebendo mais de um salário mínimo (23,7%); 16.291.706 de beneficiários do INSS que ganhavam um salário mínimo (15,9%); 1.146.828 de funcionários ativos (13,2%); 980.337 funcionários inativos e pensionistas (9,9%); 7.784.154 recebendo seguro-desemprego e o abono salarial anual (4,9%); 3.489.233 de pagamentos da Lei Orgânica da Assistência Social (Loas) e de sua antecessora, a da Renda Mensal Vitalícia, para idosos e inválidos sem outra fonte de renda (3,3%); e 12.370.915 (2,8%) de benefícios do programa Bolsa Família, pagos às pessoas responsáveis pelas famílias.
Dados mais recentes apontam um aumento do número dos incluídos na folhona. Em 2013, o número de famílias nesse programa passou a 14,1 milhões e, neste ano, a meta da presidente Dilma é incluir nele mais 500 mil, com o que, relativamente a 2008, a ampliação deve alcançar 2,2 milhões. No INSS a listona também cresceu de 2008 a 2012, ano do último anuário do INSS, com mais 3.907.793 beneficiários. Levando em conta apenas os dados deste parágrafo, mais o fato de que os benefícios do INSS cresceram em cerca de 1 milhão ao ano entre 2008 e 2012, e continuam aumentando, a folhona já está mais perto de 60 milhões que de 50 milhões!
O quadro pintado por todos esses dados é o de um Brasil que buscou precocemente o caminho de um enorme Estado do bem-estar, o Welfare State da literatura internacional. A velocidade recebeu forte impulso com a Constituição de 1988 e, mais recentemente, dos governos federais petistas. Quanto a estes, Mansueto Almeida, outro entre os maiores especialistas em finanças públicas do Brasil, mostrou que, numa comparação dos gastos de 2012 com os de 2002, os do INSS aumentaram em 1,2% do PIB, enquanto os demais gastos sociais tiveram acréscimo de 1,1% do PIB e os investimentos, um mísero aumento de 0,1% (!) do PIB. E sei que esse aumento dos gastos sociais foi custeado principalmente com maior carga tributária. Tudo isso inibiu investimentos públicos e privados e, entre outros efeitos, agravou as condições da infraestrutura econômica, como a de transportes, e da social, como a de mobilidade urbana e saneamento básico.
A opção da Constituição de 1988 pode ser vista como da sociedade, por meio dos constituintes que escolheu. A dos governos petistas, entretanto, tem forte conotação eleitoreira. O que os move é o poder a qualquer custo, num processo em que cativar eleitores com benesses é tido como fundamental.
Houve época em que no Brasil se criticava muito a ideia de que antes de distribuir o bolo do PIB seria preciso fazê-lo crescer. Agora chegamos ao outro extremo, em que o caminho de distribuí-lo por meio desse enorme Estado do bem-estar social nos conduziu a outro Estado, o das taxinhas do Pibão.
Cabe encontrar um caminho intermediário, que combine crescimento mais acelerado com avanços sociais. Propor e explicar como seria feito esse caminho é tarefa dos candidatos da oposição, já que da candidata da situação a perspectiva é de mais do mesmo. E não se pode ficar apenas na discussão entre candidatos, até porque essa candidata foge de debates, em razão das suas evidentes dificuldades de enfrentá-los.
Mais importante ainda é que a própria sociedade se empenhe em levá-los adiante, em lugar de apenas protestar contra isto ou aquilo, nas ruas ou fora delas. Como encontrar o referido equilíbrio? Econômica e socialmente, essa é a questão fundamental.
*ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), É CONSULTOR ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR
Encontrou algum erro? Entre em contato