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Mais democracia para os juízes

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Por Aloísio de Toledo César
3 min de leitura

Os três Poderes do Estado brasileiro oxigenaram-se bastante com a democracia dos últimos 20 anos, mas, sem dúvida alguma, num deles ainda não ocorreram modificações que exprimissem de forma mais clara essa bem-vinda tendência: o Judiciário. Todos sabemos que a democracia se fortalece na medida em que ocorre a repetição de eleições e mais ainda com o revezamento de contrários no poder. Isso, lamentavelmente, não se efetiva nos tribunais brasileiros, que permanecem prisioneiros do mesmo sistema eleitoral de décadas atrás, consistente na escolha do mais antigo para o cargo máximo de presidente. A escolha do mais antigo traduz a ideia nem sempre verdadeira de que é o mais preparado para o exercício da função, além de resultar em deixar de fora do processo magistrados mais jovens, igualmente capazes, que gostariam de participar. O mais antigo reúne, sim, enorme experiência, de utilidade para o deslinde das controvérsias jurídicas, mas não significa que seja necessariamente o mais apto para enfrentar as questões políticas e administrativas inerentes ao cargo. Ao assumir o cargo de presidente de um tribunal, o magistrado, que não foi outra coisa durante toda a carreira, de repente se vê compelido a enfrentar em grande quantidade e importância assuntos completamente novos, como, por exemplo, gerir um orçamento maior que o de muitos Estados brasileiros (caso de São Paulo), realizar licitações, contratar e demitir funcionários, dialogar com servidores em greve, cuidar da automatização processual, convencer o governador e os deputados da necessidade de aprovação de determinadas leis de interesse próprio do tribunal, etc. O Tribunal de Justiça de São Paulo já teve um presidente que não desfrutava a fama de estar entre os melhores juízes, mas, para surpresa geral, marcou sua administração com realizações extraordinárias, sempre lembradas. Isso porque detinha uma facilidade especial para o desempenho de atividades políticas e administrativas, nem sempre encontradas em todos os juízes. Há, em regra, muito respeito por parte dos magistrados quanto aos escolhidos para a direção dos tribunais, mas, sem nenhuma dúvida, a grande maioria anseia por mais democracia na escolha, de tal forma que tanto os mais antigos como também os mais novos possam concorrer em igualdade de condições. Enfim, há um desejo latente, especialmente no caso do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, de que essa escolha se faça de forma mais democrática e participativa. Nessa linha de pensamento, trazendo um alento aos que amam a democracia, começou a tramitar no Congresso Nacional, por iniciativa do deputado João Matos, um projeto de emenda à Constituição federal que altera o seu artigo 96, o qual afirma ser da competência dos tribunais eleger seus órgãos diretivos. Tal disposição encontra obstáculo na Lei Orgânica da Magistratura, que, no seu artigo 102, dispõe que a eleição se fará somente "dentre seus juízes mais antigos, em número correspondente aos cargos de direção". Como os cargos de direção são três - presidente, vice-presidente e corregedor -, a escolha sempre fica entre os três mais antigos. A emenda apresentada pelo referido parlamentar, alterando esse critério, mantém a competência dos tribunais para a escolha, porém a amplia com a afirmação de que se fará "dentre os membros do Órgão Especial ou do plenário do respectivo tribunal". Se a emenda for aprovada pelo Congresso Nacional, a eleição do presidente, vice e corregedor dos tribunais perderá a característica de simplesmente homologatória para ganhar verdadeira feição democrática, com a participação de maior número de concorrentes. A emenda já foi encaminhada à Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, onde o relator, deputado federal Regis de Oliveira, por coincidência um desembargador aposentado, manifestou-se pela admissibilidade da proposta, tendo alegado que "o ideal, condizente com uma democracia participativa, é que haja um aumento do número de pessoas habilitadas a participar da eleição para os órgãos diretivos, e não um limite aos membros do Órgão Especial, que são apenas 25". Com o seu voto final pela admissibilidade da proposta de emenda à Constituição, a tramitação desta prossegue na Câmara, trazendo esperança aos magistrados de que seja em breve aprovada. O Tribunal de Justiça de São Paulo já realiza eleições, das quais participam seus quase 400 desembargadores, para a escolha dos integrantes do Órgão Especial. No ano de 2004, o Congresso Nacional aprovou a Emenda Constitucional nº 45, que tornou obrigatória a composição de metade do Órgão Especial (12 desembargadores) por eleição. A outra metade ali chega por antiguidade. Tal inovação, inicialmente, causou um certo trauma interno, por haver alterado sistema de acesso seguido há décadas, sempre por antiguidade. Presentemente, no entanto, já superada aquela fase de passageiro incômodo, verificou-se que os desembargadores eleitos, sendo em sua maioria mais jovens, contribuem para os julgamentos com a mesma qualidade e competência dos mais antigos. Enfim, comprovou-se que a circunstância de um desembargador ser mais jovem não o desqualifica para o exercício de tarefas de maior relevância, antes exercidas apenas pelos mais antigos. Houve, portanto, um avanço no caminho de maior democracia, a qual, seguramente, estará consolidada a partir do momento em que for possível também a escolha livre e direta dos cargos de presidente, vice e corregedor, com a participação de maior número de concorrentes. Aloísio de Toledo César é desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo. E-mail: aloisioparana@ip2.com.br