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Mais tempo no vermelho

Com um ano de atraso, as contas do governo federal só vão sair do vermelho em 2020, sem considerar os juros, segundo o novo plano anunciado pelos ministros da Fazenda e do Planejamento

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Por Redação
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Com um ano de atraso, as contas do governo federal só vão sair do vermelho em 2020, sem considerar os juros, segundo o novo plano anunciado pelos ministros da Fazenda e do Planejamento. Pelo plano anterior, já haveria um pequeno superávit primário em 2019 – isto é, já sobraria algum dinheiro para as despesas financeiras. Seria possível, a partir daí, começar a frear o endividamento do setor público, um dos piores indicadores das finanças oficiais. O presidente Michel Temer deixará para a próxima administração, portanto, um trabalho de ajuste um pouco mais penoso do que se previa até a semana passada. Isso ocorrerá porque o Executivo decidiu aceitar para o próximo ano um resultado fiscal pior que o programado anteriormente. A nova meta para o governo central será um déficit primário de até R$ 129 bilhões, R$ 50 bilhões maior que o fixado inicialmente.

Para justificar a mudança, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, apontou dois fatores. Primeiro, a recessão deve produzir efeitos defasados e ainda prejudicar a arrecadação de 2018. Houve, na fase de retração dos negócios, acumulação de créditos fiscais contra o Tesouro e as empresas tentarão resgatá-los no próximo ano. Segundo, o governo terá de operar em 2018 sem receitas extraordinárias. Para 2017 ainda se espera arrecadar algum dinheiro com leilão de hidrelétricas e com impostos sobre a regularização de recursos mantidos no exterior.

A argumentação parece razoável, à primeira vista, especialmente no caso do segundo fator. De toda forma, um ajuste só pode ser efetivo e duradouro se for independente de receitas excepcionais. Mas o primeiro ponto, a referência aos efeitos defasados da recessão, merece atenção especial.

A economia brasileira deve crescer 2,5% no próximo ano, segundo a expectativa indicada pelo governo, coincidente com a mediana das projeções do mercado. Não há grande novidade em relação a esse número. Mas há novidades em relação às perspectivas de 2017, com sensível piora das estimativas de crescimento. O governo reduziu sua previsão para 0,5%. A do mercado passou em quatro semanas de 0,48% para 0,41%. Um número inferior a 0,4% será em breve apresentado no próximo quadro de projeções da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), segundo adiantou a secretária executiva da instituição, a economista Alicia Bárcena.

Estará o governo preocupado principalmente com os efeitos, em 2018, de um desempenho econômico em 2017 muito fraco e bem pior que o inicialmente previsto? A dúvida é razoável, embora o ministro da Fazenda insista em falar em sinais de recuperação já neste início de ano.

Os sinais, de fato, são dispersos e insuficientes para compor um quadro claro. Em março, o fluxo de veículos leves nas estradas sob concessão foi 1,8% maior que o de fevereiro, mas o de veículos pesados – incluídos os de carga, portanto – foi 1% menor. Em contraste, as vendas de papelão ondulado, usado na fabricação de embalagens, aumentaram 15,79%. Também outros indicadores importantes têm sido divergentes. Há indícios de melhora em alguns segmentos industriais, mas os dados do consumo e do emprego ainda pioram.

Um cenário mais completo, do ponto de vista do governo, deve surgir com a publicação de todos os detalhes do projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2018. Esse projeto formalizará a proposta de novas metas fiscais.

O governo continuará evitando, segundo os ministros, aumentos de impostos para fortalecer as contas. Maior tributação, segundo o argumento oficial, prejudicaria a retomada. Além disso – um ponto em geral omitido nas declarações oficiais – há uma forte oposição a qualquer aumento de impostos e contribuições.

Aceitar um déficit primário maior em 2018 pode ser um gesto de realismo econômico e de prudência. Além disso, facilitará ao governo a travessia de um ano de intensa disputa eleitoral. Pode ser só coincidência. De toda forma, se a pauta de reformas avançar, o rumo do ajuste será mantido, embora com menor velocidade.