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Mais um apagão

É preciso que as causas da interrupção do fornecimento de energia elétrica numa região tão ampla sejam avaliadas criteriosamente

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Por Redação
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Embora a explicação dada até agora para sua ocorrência – uma falha técnica na linha de transmissão da energia elétrica gerada pela Usina de Belo Monte – pareça plausível, apesar de sua simplicidade, as consequências do apagão que afetou as Regiões Norte e Nordeste na tarde e no início da noite de quarta-feira passada foram imensas para a população e para a economia. Por isso, é preciso que as causas da interrupção do fornecimento de energia elétrica numa região tão ampla sejam avaliadas criteriosamente pelas autoridades para que, pelo menos pelos mesmos fatores, o fenômeno não se repita.

O linhão de Belo Monte é parte do Sistema Interligado Nacional (SIN), um complexo com mais de 100 mil quilômetros de linhas de transmissão e subestações de energia, que atende todo o País, exceto o Estado de Roraima. Embora tenha sido dimensionado para suportar intempéries severas e disponha de sistemas de segurança para evitar o colapso do fornecimento de energia, sua extensão o torna sujeito a acidentes. Mas o que ocorreu com o linhão de Belo Monte pode ter sido consequência de utilização de equipamento subdimensionado.

O apagão de quarta-feira, de acordo com informações de autoridades do setor, foi causado por um disjuntor da subestação Xingu, que faz parte do linhão de Belo Monte. O disjuntor, equipamento que controla a energia que passa pelo sistema para proteger as instalações contra danos decorrentes de sobrecarga, estava calibrado para receber até 3.700 megawatts (MW), e não 4 mil MW, como deveria. Na quarta-feira, quando a transmissão ultrapassou sua capacidade, o equipamento interrompeu automaticamente o fluxo, como é sua função.

Alguns especialistas apontam problemas estruturais do sistema elétrico brasileiro como origem de falhas desse tipo. A construção do linhão de Belo Monte parece sintetizar alguns desses problemas. A obra foi executada de maneira fragmentada. O apagão de quarta-feira foi provocado por uma falha na parte da linha de transmissão operada pela concessionária Belo Monte Transmissora de Energia (BMTE). Originalmente, esse trecho era de responsabilidade da empresa espanhola Abengoa, que faliu sem executar a obra.

Chamada pelo governo para evitar o atraso na entrega da energia que estava prestes a ser gerada pela Usina de Belo Monte, a BMTE assumiu a parte que cabia à empresa falida na construção e operação do linhão. O governo ainda pediu que a nova concessionária antecipasse em dois meses o cronograma da obra, o que a levou a fazer ligações provisórias na subestação Xingu, onde ocorreu o problema. O linhão entrou em operação no dia 13 de dezembro do ano passado. No mês passado, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) havia detectado problemas de segurança não resolvidos nos projetos de transmissão pertencentes à Norte Energia, entre a Usina de Belo Monte e a subestação Xingu.

Quaisquer que sejam suas causas, o apagão afetou a vida de cerca de um terço da população brasileira. “Tivemos praticamente um colapso na Região Nordeste”, reconheceu Luiz Eduardo Barata, diretor-geral do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), responsável pela coordenação e pelo controle da operação do SIN. Em capitais como Recife, Salvador e Fortaleza, semáforos apagados provocaram o caos no trânsito e a superlotação nos terminais de ônibus e de outros meios de transporte público. Hospitais tiveram de suspender boa parte de suas atividades, mantendo em operação apenas suas unidades de terapia intensiva. Comércio, sobretudo o de produtos perecíveis, teve perda de mercadorias, além de quebra no movimento de vendas. 

Falhas de grande porte como a ocorrida na quarta-feira prejudicam grande número de pessoas e empresas, mas falhas corriqueiras – chamados “apaguinhos”, pois são de curta duração e afetam áreas mais restritas – igualmente afetam a vida da população. Ocorrem em níveis acima do permitido pela agência reguladora e, no entanto, são por ela tolerados.