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Mais um atraso

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Por Redação
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Em outubro de 2014, o Palácio do Planalto dilatou o início da vigência do marco regulatório das ONGs (Lei 13.019/14) de 90 dias para 360 dias. Agora, o governo federal volta a editar uma Medida Provisória (MP 684/15) para ampliar o prazo em mais seis meses. Assim, as novas regras sobre parcerias voluntárias entre organizações da sociedade civil e a administração pública só valerão a partir de fevereiro de 2016. Tendo em vista que o novo adiamento segue o mesmo argumento que o anterior – as partes precisam de tempo para se adaptar à nova lei –, fica a dúvida se a postergação era de fato necessária ou se é apenas mais um jeitinho para adiar os efeitos moralizadores da nova lei.

Aprovada em julho de 2014, a Lei 13.019 é um dos frutos da CPI das ONGs, que – entre 2007 e 2010 – investigou denúncias de repasses indevidos de dinheiro público a ONGs. Ao estabelecer um marco regulatório unificado para os três níveis da administração pública (federal, estadual e municipal) em suas parcerias com as organizações da sociedade civil, a nova lei tem uma finalidade moralizadora.

Além de fixar regras de transparência para as parcerias do poder público com as ONGs, a lei obriga, por exemplo, a realização de chamamento público para a seleção das organizações civis, ponto essencial para evitar compadrios e mau uso do dinheiro do contribuinte. Ela também estabelece condições para uma ONG firmar parceria com o poder público – por exemplo, contar ao menos com três anos de existência, comprovar experiência na área de atuação e não ter dirigentes com “ficha suja”.

Não resta dúvida de que a entrada em vigor de uma lei com semelhante teor implica novas exigências para as partes envolvidas, o que “demanda tempo de adaptação”, como afirma o governo federal ao expor os motivos da MP. No entanto, qual é o prazo razoável para essa adaptação? Ou, dito de outra forma, quais são os razoáveis motivos para postergar a entrada em vigor da nova lei? Esperar até que todas as partes possam se adaptar? Pois parece ser esse o parâmetro do governo federal quando afirma que “diversos órgãos e entidades públicas, assim como representantes da sociedade civil, mais uma vez, ao mesmo tempo que reconhecem os avanços da lei aprovada pelo Congresso Nacional em julho de 2014, manifestaram-se pela extensão do prazo para garantir a necessária preparação para o desenvolvimento e gestão das parcerias”.

Segundo o governo federal, o prazo de um ano para a entrada em vigor mostrou-se “insuficiente (...), tendo em vista a necessidade de adequações estruturais complexas, tanto por parte da administração pública, nas esferas federal, estadual, municipal e do Distrito Federal, quanto pelas organizações da sociedade civil”. O Palácio do Planalto destaca “a situação dos municípios, ante a imensa dificuldade da maioria deles em promover as adaptações necessárias em curto espaço de tempo”. É bem conhecido o déficit administrativo da maioria dos municípios brasileiros e já era previsível que enfrentariam dificuldades na observância das novas regras. No entanto, essas dificuldades não podem ser o motivo contínuo para adiar a entrada em vigor de uma lei que também afeta a União e os Estados.

Com os dois atrasos, o marco regulatório das ONGs deixou de ser aplicado nos exercícios de 2015 e de 2016. São dois anos em que o País já poderia contar com uma norma moralizadora das relações entre o poder público e as ONGs, mas tem de se contentar em ver as coisas continuarem como estão. E – como se sabe desde a CPI das ONGs – elas não estão bem.

Ao atual governo parece necessário relembrar as verdades mais simples. A lei foi aprovada justamente para que houvesse exigências mais rígidas, tanto para o poder público quanto para as ONGs. Ou seja, as novas exigências justificam a entrada em vigor da lei – e não o seu contínuo atraso. Mas, do jeito que vai indo, quem garante que em 2016 não haverá novo atraso?