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Mais um retrato da violência

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Por Redação
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O assassinato do menino boliviano Brayan Yanarico Capcha, de cinco anos, durante assalto à casa onde morava, na madrugada de sexta-feira, no bairro de São Mateus, revela novos aspectos dos latrocínios que vêm ocorrendo em São Paulo. Depois de dar duas moedas a seis bandidos, que receberam R$ 4,5 mil da família, o garoto foi morto com um tiro na cabeça, porque estava chorando muito. A família é de origem boliviana e chegou ao Brasil há seis meses, atraída pelos postos de trabalho nas oficinas de costura e nas pequenas fábricas de confecções situadas nos bairros do Brás e da Mooca. Quase todos esses estabelecimentos empregam centenas de bolivianos em condições degradantes, com retenção de documentos, pagamentos de salários aviltados e até privação de liberdade. São centenas de sobrados ou garagens que amanhecem e anoitecem com as janelas e os portões fechados, para abafar o ruído das máquinas de costura e reduzir, com isso, o risco de eventuais autuações por fiscais do Ministério do Trabalho. Alimentadas por grandes atacadistas de roupas, que terceirizaram a produção para reduzir custos, essas oficinas de costura e pequenas fábricas de confecções não têm existência legal e atuam numa zona cinzenta entre o cooperativismo perverso e o regime de semiescravidão. Pagam seus funcionários por peça costurada, o que lhes dá uma renda de até R$ 500 mensais. Em média, os costureiros imigrantes - entre eles paraguaios, peruanos e, principalmente, bolivianos - cumprem uma jornada de trabalho das 6 às 22 horas, sem receber hora extra e com hora predeterminada para irem ao banheiro. Também não têm carteira de trabalho assinada - portanto, não têm direito a descanso semanal remunerado, a Fundo de Garantia, a abono de férias, a auxílio-natalidade e a benefícios como vale-refeição, vale-transporte e cesta básica.Pelas estimativas oficiais, há cerca de 250 mil bolivianos - todos humildes e com baixa escolaridade - vivendo na cidade de São Paulo em condições aviltantes. Eles vieram para a capital fugindo da miséria rural ou da fome nas periferias urbanas da Bolívia. As oficinas de costura e as pequenas confecções representam uma oportunidade de melhorar de vida. Mesmo próximos da semiescravidão, estão numa condição social que não tinham diante da pobreza em que viviam nas cidades de onde vieram. E como a maioria está no Brasil ilegalmente, esses milhares de bolivianos vivem no que os sociólogos e antropólogos chamam de "reclusão comunitária". Ou seja, moram próximos uns dos outros, em habitações coletivas paupérrimas e não se integraram com brasileiros. Circulam pouco, saindo apenas nos dias de grandes festas, como a de Nossa Senhora de Copacabana, patrona da Bolívia. Além disso, por tradição cultural, e também por falta de documentação, milhares de costureiros bolivianos que trabalham nos bairros do Brás e da Mooca não costumam ter conta em banco, guardando em casa as pequenas poupanças que vão amealhando. Por isso, tornaram-se alvo fácil de quadrilhas como a que assaltou a família Yanarico Capcha. O aumento expressivo de roubos de imigrantes que vivem na zona leste da capital, e que só ganhou destaque por causa do brutal assassinato de uma criança, exige uma ação mais efetiva da polícia e das autoridades federais, tanto para reprimir o banditismo como para pôr fim à execrável exploração do trabalho de imigrantes ilegais.No mais, a tragédia tem o script de sempre. Dos seis assaltantes, três já foram presos e tentaram responsabilizar um dos comparsas - um menor de 18 anos - pelo assassinato de Brayan. Mas a polícia já sabe que quem de fato atirou é um dos membros da quadrilha que cumpria pena numa penitenciária e recebeu, da Justiça, o benefício de passar o Dias das Mães em casa e não voltou. É mais um caso de criminoso de alta periculosidade que recebeu benefícios do regime da progressão como se a eles tivesse direito líquido e certo.