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Malogro na Cracolândia

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Por Redação
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O primeiro fim de semana depois da ocupação pela Polícia Militar (PM) da Cracolândia deixou claro o fracasso da operação, que só fez dispersar os usuários de crack por outras áreas da região central de São Paulo, trazendo intranquilidade para os moradores e transeuntes. Na noite de sábado para domingo, formou-se uma estranha "procissão do crack", com grupos de até cem pessoas, que vagavam pelas ruas de bairros do centro, em confronto direto com a PM, que não hesitou em usar contra esses bandos bombas de efeito moral e balas de borracha. Não houve interveniência de órgãos de assistência médica e social. Este é o resultado de uma operação desencadeada sem o conhecimento do governador do Estado, do prefeito de São Paulo e do comando da PM, sendo executada por ordem de funcionários ou oficiais do segundo escalão. Mal planejada e pior executada, a operação falhou por falta de suporte de serviços adequados de saúde e de assistência social, e não chegou nem mesmo a coibir o tráfego de drogas. Os "pontos" simplesmente mudaram de lugar. Eliminar a Cracolândia no bairro da Luz é necessário de acordo com os projetos de revitalização de uma área que vem se transformando em polo cultural da cidade, depois da instalação ali da Sala São Paulo e outros equipamentos culturais e da reforma da Pinacoteca. Para isso, quarteirões inteiros foram derrubados, sendo a intenção da Prefeitura e do governo do Estado criar ali novos serviços públicos e atrair investimentos privados.Contudo, isso não pode ser feito apenas com ação policial. Não se justifica a alegação de que esta é a primeira fase de um trabalho, que deve ter sequência em duas outras etapas, com o atendimento médico e social dos usuários de drogas e moradores de rua. Para ser bem-sucedido, esse trabalho não pode ser feito por etapas, começando com uma repressão policial violenta. Deveria ter havido um esforço conjunto desde o início da operação, com o auxílio de especialistas em problemas de uso de drogas, que, se não existem em número suficiente nos quadros dos órgãos públicos, devem ser contratados apenas para esse fim. O que se tem visto, porém, é apenas uma blitz, com participação de cavalarianos e carros da PM, além de guardas municipais. Foram comuns os casos de viciados, desalojados da Cracolândia, que chegaram a ameaçar prédios residenciais de áreas próximas, levando vigias particulares a se juntarem aos policiais para "combater" os bandos dispersos. Os bairros centrais são os mais visados, mas pode-se dizer, sem exagero, que toda a cidade está ameaçada por marginais, oriundos da Cracolândia, que se agrupam nas vizinhanças de locais públicos, como estações do metrô, praças e shoppings.Depois de uma semana de confrontos, muitas vezes violentos, os próprios policiais parecem cansados da tarefa de que foram incumbidos. Como relatou a reportagem do Estado (9/1), um policial chegou a declarar que faz o seu trabalho, mas que não é ingênuo: "Tem corrupção policial, colaboração de comerciantes, muita gente envolvida, muita grana nisso aí. Tem de cortar o mal pela raiz".Sim, mas não da forma que a Operação Cracolândia vem sendo conduzida. Certamente, não basta que a PM coloque vários policiais para atuar naquela região, com resultados até agora pífios, mesmo no combate ao tráfico. Desde a terça-feira da semana passada, a PM apreendeu pouco mais de 200 gramas de crack, o que é quase nada, levando em conta o vulto da operação montada. Foram detidas 42 pessoas, muitas das quais, se não tiverem ficha policial, serão soltas, consideradas apenas usuárias de drogas. Na verdade, o que se busca agora é uma saída para essa blitz desastrada. Isso só pode acontecer se a Secretaria da Segurança Pública, em entrosamento com órgãos de saúde e de assistência social do Estado e da Prefeitura traçarem um plano de ação destinado a tratar os dependentes e garantir um mínimo de segurança a locais da cidade que se tornaram extremamente arriscados para o trânsito de pedestres e de automóveis.