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Manifesto irrealista

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Por Redação
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Um mês depois de o presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Ives Gandra Martins Filho, ter afirmado que os períodos de crise econômica exigem reformas que flexibilizem a legislação trabalhista e reduzam encargos para que as empresas não quebrem e fechem postos de trabalho, “enforcando empreendedores e trabalhadores”, 19 dos 27 ministro da Corte assinaram um manifesto defendendo teses diametralmente opostas. O manifesto foi lançado no dia 10, no encerramento de um congresso de Direito do Trabalho promovido pelo Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região.

O manifesto defende a continuidade das leis trabalhistas em vigor, alegando que eventuais reformas “em tempos de crise econômica, política e ética” resultarão na “desconstituição de direitos” – e, por tabela, na redução de benefícios sociais e na dispensa em massa, comprometendo o princípio da “sociedade justa e igualitária” previsto pela Constituição.

Apesar de a equipe econômica do governo ter se limitado a afirmar que é preciso modernizar a legislação trabalhista editada pela ditadura varguista, sem ter entrado em detalhes, o manifesto afirma que uma “agressão” ao Direito do Trabalho irá “desproteger 45 milhões de trabalhadores, vilipendiar 10 milhões de desempregados, fechar os olhos para milhões de mutilados e revelar-se indiferente à população de trabalhadores”.

Descrevendo sem juízo crítico a instituição à qual pertencem como rápida, moderna e eficiente, “qualidades que atraem críticas”, os ministros do TST alegam que, em 2014 e 2015, a Justiça do Trabalho destinou aos trabalhadores mais de R$ 33 bilhões em créditos decorrentes do descumprimento da legislação trabalhista. E propiciou uma receita de R$ 5 bilhões para o Estado, entre custas e créditos previdenciários. Por isso, diz o manifesto, com inequívoco enviesamento político, a “desconstrução” do Direito do Trabalho será nefasta nos planos econômico, “com a diminuição de valores monetários circulantes e menos consumidores para adquirir os produtos oferecidos pelas empresas”, e político, “pela instabilidade causada e consequente repercussão nos movimentos sociais”. O que poderá levar à diminuição do Índice de Desenvolvimento Humano, pois “um dos requisitos do desenvolvimento é a superação da exploração e da desigualdade, tema que é a pedra angular da Justiça do Trabalho”.

Esses argumentos são exagerados e irrealistas. Com cerca de 1,7 mil textos legais, entre leis, portarias e súmulas, a legislação trabalhista brasileira é contraditória. Ela onera as empresas e mina sua competitividade. A rigidez dos mecanismos de proteção previstos na legislação inibe a contratação de trabalhadores com carteira assinada. Em sete décadas de vigência, essa legislação não acompanhou o avanço da tecnologia e seu impacto nas relações de trabalho. Por isso, longe de configurar uma “desconstituição” do direito do trabalho, a simplificação da legislação trabalhista pode dar mais impulso à expansão do emprego formal.

Além disso, por conferir às empresas e aos sindicatos trabalhistas a liberdade de negociar regras diferentes da lei, o fortalecimento da negociação coletiva pode propiciar soluções criativas para que os patrões possam contornar os efeitos da recessão e os empregados possam manter o emprego num cenário econômico adverso. O prevalecimento do negociado sobre o legislado, com previsão de sanções para a parte que descumprir o que foi acertado, permite que as regras trabalhistas sejam ajustadas à especificidade de cada setor produtivo.

O que mais chama a atenção no manifesto dos 19 ministros do TST é que, sem conhecer o texto da reforma trabalhista que nem sequer existe, eles resistem a qualquer mudança. Chegam a ver nos cortes orçamentários que foram feitos em todos os setores da máquina pública, por causa da recessão, uma “retaliação contra o papel social e institucional” da Justiça do Trabalho. Esse manifesto revela um preocupante desconhecimento da realidade brasileira e um inquietante apego a interesses corporativos.