Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Mansueto, pregador das instituições

Ordem institucional dá segurança ao ajuste das finanças, lembra o secretário

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Por Notas e Informações
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Democracia, segurança institucional, limites constitucionais e convencimento por meio do debate: estas ideias balizam e marcam a entrevista do secretário demissionário do Tesouro, Mansueto Almeida, publicada ontem no Estado. Conhecido como fiador do ajuste fiscal, em nenhum momento ele menciona números, embora se refira, naturalmente, à difícil condição das contas públicas e ao duro trabalho de arrumação nos próximos anos. Procura fortalecer – ou criar – uma expectativa de continuidade e de retomada normal da austeridade no pós-covid. Não deve haver, segundo ele, preocupação quanto ao seu sucessor. “O grande fiador do ajuste fiscal é o ministro Paulo Guedes”, assegura o secretário. Mas ele pouco fala sobre pessoas. Instituições são o foco de sua mensagem.

O Tesouro Nacional, lembra o secretário, passou por “mudanças institucionais importantes nos últimos quatro, cinco anos”. Há continuidade muito grande no Tesouro, acrescenta. Ao contrário de outras figuras do governo, o economista Mansueto Almeida reconhece legados positivos de outras administrações. Raríssima na gestão do presidente Jair Bolsonaro, essa atitude tem sido partilhada pela ministra da Agricultura, Tereza Cristina. Ela jamais negou ou minimizou a importância de antecessores na construção de um agronegócio eficiente e competitivo, hoje ameaçado em sua reputação pelo presidente e por seus piores ministros.

Vem do passado, na fala do secretário Mansueto Almeida, a confiança possível em relação ao futuro próximo e às políticas de maior alcance na área fiscal. Desde 2015, recorda, foram criados no Tesouro comitês de segurança. Além disso, há o trabalho do Tribunal de Contas da União (TCU).

Haveria motivos de preocupação, segundo ele, se a situação fosse igual à de dez anos atrás, quando havia “pouca coisa institucionalizada”. Naquela época, seria possível, “numa canetada”, criar condições para Estados e municípios se endividarem, com garantia da União, fora das normas de responsabilidade fiscal. Boas instituições – esta é a lição central, nessa passagem – disciplinam o uso da caneta. Não se deve reduzi-la a instrumento de poder. É preciso reconhecê-la, em primeiro lugar, como instrumento de governo, isto é, de administração.

Também esta ideia tem sido pouco lembrada no Palácio do Planalto. Não se abusa da caneta nas democracias. Nem da espada, seria oportuno acrescentar. Este ponto foi ressaltado nos Estados Unidos, há poucos dias, por generais com experiência em conflitos armados no exterior, como compete aos soldados de países democráticos, jamais em casa.

O futuro secretário encontrará os mesmos desafios identificados pelo atual, diz o entrevistado. Haverá um ajuste duríssimo depois das políticas emergenciais. O déficit primário – calculado sem os juros – ainda será um problema no próximo período presidencial, tem lembrado Mansueto Almeida. O governo instalado em 2023 ainda terá de buscar o equilíbrio entre receitas e despesas da administração, para em seguida batalhar por algum superávit. A partir daí será possível pagar a dívida vencida e controlar sua evolução com mais eficiência.

Até lá, muita disciplina será necessária para impor algum limite aos desequilíbrios. “Muito do ajuste vai depender dos próximos dois anos. Temos uma janela de juros baixos, até porque internamente a inflação está muito baixa. Ganhamos um período para colocar a casa em ordem.” Há uma advertência implícita. Juros baixos, importantes para a gestão da dívida e para a reativação da economia, dependem da confiança na política econômica. “O fundamental é aprovar as reformas na janela de juros baixos. O futuro não está dado.” Será preciso, acrescenta, “fomentar o bom diálogo político pelas reformas”. Não só o diálogo, note-se, mas “o bom diálogo”.

Ao falar sobre a decisão de deixar o posto, o secretário menciona apenas o cansaço. Não se queixa de nada, mas deixa um recado importante a respeito do compromisso com a disciplina, com as instituições e com o bom uso da caneta pelos detentores da função pública.