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Máquina emperrada

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Por Redação
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Prejudicial ao cidadão em condições normais, o excesso de burocracia pode tornar-se particularmente nocivo em épocas de crise. Controles e exigências excessivas do poder público retardam os efeitos de muitas medidas de estímulo à atividade econômica e até impedem que algumas delas sejam colocadas em prática. Essa atuação perniciosa da burocracia foi destacada pelo presidente da recém-instalada Comissão de Acompanhamento da Crise Financeira e da Empregabilidade do Senado, senador Francisco Dornelles (PP-RJ), ao observar que medidas corretas têm sido tomadas, mas elas "estão emperradas, não chegam na ponta". Para ter uma visão mais precisa da crise e apresentar sugestões ao governo e à sociedade, a comissão, formada por cinco senadores de diferentes partidos, está ouvindo economistas que já exerceram funções públicas em diferentes cargos e governos, como Maílson da Nóbrega, José Márcio Camargo, Marcos Lisboa e Luiz Guilherme Schymura. Também programou uma audiência pública para discutir a situação da construção civil e da indústria em geral, da qual participarão empresários e dirigentes sindicais. Dornelles, que já ocupou diversos cargos - foi secretário da Receita Federal e ministro da Fazenda, da Indústria e do Comércio e do Trabalho -, considera a burocracia exagerada a grande responsável pela ineficácia de muitos projetos anunciados pelo governo. Cita, como exemplo, o fato de a Caixa Econômica Federal ter colocado à disposição de Estados e municípios R$ 3 bilhões para obras, mas apenas R$ 50 milhões, ou menos de 2%, foram utilizados. "Estão exigindo 13 certidões, cada uma com prazo de validade diferente", disse o senador ao jornal Valor. "É impossível tirar esses recursos." Segundo Dornelles, o País precisa de um choque de desburocratização, que dê maior velocidade à ação e às decisões do Executivo e de órgãos como o Tribunal de Contas da União. Impossível pode ser também a convivência harmônica do cidadão com o aparato estatal quando tiver de comprovar alguma coisa. A ele serão feitas exigências - apresentação de certidões, atestados, comprovantes - difíceis de serem integralmente cumpridas, e que, se não atendidas a tempo, podem resultar em complicações futuras. Dornelles propõe um choque contra a burocracia e lembra a importância, para o cidadão comum, do trabalho de Hélio Beltrão como ministro da Desburocratização. Já se passaram quase 30 anos desde que Beltrão lançou seu Programa Nacional de Desburocratização, mas, quando precisam recorrer a algum órgão do governo, os brasileiros ainda são obrigados a apresentar documentos que têm de obter no próprio governo e, em muitos casos, autenticá-los. Felizmente, há uma iniciativa oficial que, se colocada em prática, facilitará muito a vida do cidadão. Está em consulta pública até o dia 27 de março o projeto de decreto presidencial que simplifica o atendimento ao cidadão. Embora tenha apenas 12 artigos, o projeto é um pacote contra a burocracia. O decreto ratifica a dispensa de reconhecimento de firma em qualquer documento produzido no Brasil, quando o interessado o assinar na frente do funcionário público. Não é a primeira vez que se dispensa a necessidade de reconhecimento de firma, mas, por hábito, empresas e órgãos públicos continuam a exigi-lo. O projeto de decreto estabelece que, nas relações com o cidadão, os órgãos do Executivo deverão ter como diretrizes a presunção da boa-fé, o compartilhamento de informação, a atuação integrada na expedição de atestados e certidões e a eliminação de exigências cujo custo econômico ou social seja superior ao risco envolvido. Se necessitar de documento de comprovação de regularidade de situação que já conste de outra base de dados da administração federal, o órgão federal terá de obtê-lo diretamente e não pedir ao cidadão interessado. Além disso, toda unidade federal deverá ter uma carta de serviços ao cidadão que especifique prioridades de atendimento, tempo de espera, prazo para cumprimento dos serviços, formas de comunicação com o usuário e meios para receber sugestões e reclamações. Parece pouco, mas para os muitos brasileiros que conheceram os horrores da burocracia o decreto, se colocado em prática, pode ser um grande avanço.