
27 de novembro de 2010 | 00h00
Utilizando um tom agressivo, como informou o jornal Valor, e ignorando o fato de que "um embaixador, por definição, é representante de algo que excede sua pessoa" e de que, no caso de Cordeiro, "por trás dele há um país quatro vezes maior e mais poderoso do que a Argentina, que dificilmente deixará que o episódio se dilua sem nenhum custo", como registrou o jornal Clarín, de Buenos Aires, Moreno se excedeu nas grosserias. Isso transformou o assunto num incidente diplomático, que certamente exigirá a interferência do presidente Lula, que ainda se avistará duas vezes com a presidente argentina Cristina Kirchner.
Novidade para muitos brasileiros, o estilo truculento de Moreno é, porém, conhecido do setor empresarial argentino. O secretário de Comércio Interior tem sob seu comando o órgão oficial encarregado de medir a inflação argentina, o Instituto Nacional de Estatísticas e Censo (Indec), acusado de manipular dados. Como responsável pelo comércio interno, Moreno tem ameaçado empresários de vários setores, que convoca a seu gabinete para forçá-los a baixar os preços. Segundo participantes desses encontros, às vezes os recebe com uma pistola sobre sua mesa.
Foi dele, em maio, a iniciativa de avisar os dirigentes de supermercados argentinos de que, a partir daquele momento, proibiria a entrada no país de produtos alimentícios não frescos procedentes do Brasil que concorressem com o similar nacional e puniria as empresas que desrespeitassem suas ordens. Era uma barreira apenas verbal, mas que, pelos métodos e pelo poder de Moreno - é considerado fiel cumpridor das determinações de Kirchner -, foi levada a sério.
Na época, houve notícias de filas de caminhões brasileiros na fronteira, pois sua entrada na Argentina estava sendo impedida. Após encontro com Lula, a presidente Cristina Kirchner negou publicamente que seu governo tivesse imposto restrições à entrada de produtos brasileiros.
No dia 5 de novembro, Guillermo Moreno se reuniu com o embaixador Ênio Cordeiro, na presença do ministro da Economia, Amado Boudou, ao qual está subordinado - mas, na prática, responde diretamente à presidente Kirchner. O pretexto da reunião, segundo o jornal Valor, foi a importação de tubos de metal fabricados no Brasil que caracterizaria a prática de dumping (esse produto passou a ser sobretaxado na Argentina). Além disso, Moreno afirmou que o governo argentino prepara "contramedidas" eficientes e não ortodoxas para conter a importação de produtos brasileiros.
Se, para as autoridades brasileiras, a falta de educação do funcionário argentino pode ser novidade, suas ameaças são velhas conhecidas. Sempre que o comércio entre os dois países registra um aumento expressivo do saldo em favor do Brasil, a Argentina ignora os acordos e tratados que regem o Mercosul e impõe barreiras de diferentes tipos à entrada no país de produtos brasileiros.
É o que ocorre no momento. Apesar das desvantagens dos produtos brasileiros no exterior por causa da valorização do real em relação ao dólar, o Brasil conseguiu acumular, nos primeiros dez meses deste ano, um saldo de US$ 2,9 bilhões no comércio com a Argentina. E esse superávit foi alcançado a despeito do aumento de cerca de 30% das exportações da Argentina para o Brasil, o que, argumentam os brasileiros, contribui para assegurar mais da metade dos 80 mil empregos da indústria automobilística argentina.
Quando o governo argentino investe contra os produtos brasileiros, o governo Lula, ao contrário do que diz a imprensa argentina - segundo a qual dificilmente o Brasil deixa de reagir -, tem aceitado as medidas com tolerância que beira a passividade. O que talvez o tenha incomodado no caso é o estilo de Guillermo Moreno. As agressões argentinas praticadas com luvas de pelica foram sempre toleradas.
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