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Medida inócua para motoboys

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Por Redação
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Um ano depois de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionar a Lei Federal 12.009 que regulamenta a atividade dos motoboys, o Conselho Nacional de Trânsito (Contran) publicou a Resolução 350 que estabelece a obrigatoriedade da participação em curso de 30 horas-aula, a partir de dezembro, para o exercício da profissão. Os motoboys terão aulas de ética e cidadania na atividade, noções de segurança e saúde e aprenderão sobre a imagem do motociclista profissional na sociedade e sua importância na vida da cidade. Terão ainda treinamento para desenvolver autocontrole, disciplina e capacidade de lidar com imprevistos. Mas será necessário um milagre para, em apenas 30 horas de curso, transformar o contingente de motoboys habituado à irresponsabilidade, em modelo de civilidade nas ruas.Ao sancionar a lei que regulamenta a profissão, o presidente da República não ouviu as advertências de entidades e especialistas no trânsito e do próprio ministro da Saúde, José Gomes Temporão, que haviam alertado para o impacto negativo que o projeto causaria ao sistema de saúde. Em pelo menos 14 Estados, as mortes de motociclistas superaram as de pedestres. A esperança estava em uma lei mais rigorosa e inovadora. O curso para formação de motoboys, como iniciativa isolada, não poderá ter bons resultados. Em São Paulo, com a maior frota de veículos do País e por onde circulam pelo menos 800 mil motocicletas, houve várias tentativas de aprimorar a formação dessa categoria de trabalhadores. Mas todas esbarraram na resistência das entidades que a representam, na incapacidade de fiscalização dos órgãos de trânsito e nos interesses de políticos que não se animam a enfrentar esse eleitorado.Cursos de formação foram previstos em vários decretos assinados nos últimos 12 anos por diversos prefeitos. Sem qualquer fiscalização, poucos motoboys cumpriram as regras. Na última iniciativa, em 2007, o prefeito Gilberto Kassab criou normas obrigando o uso de itens de segurança especiais ? antenas contra linhas de pipas com cerol, grades do tipo "mata-cachorro", capacete, coletes diferenciados ? e a participação num curso de 20 horas de duração. Assinou, ainda, convênio com a Polícia Militar para melhorar a fiscalização, mas algumas poucas blitze não foram suficientes para reduzir os abusos e a violência no trânsito.O estudo Tráfego de Motocicletas e Segurança Viária: o Caso da Cidade de São Paulo, do engenheiro Ivo Chuquer Junior, do Departamento de Engenharia de Transportes da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), mostra que o número de deslocamentos realizados em moto diariamente na região metropolitana de São Paulo cresceu 395% no período de dez anos, entre 1997 e 2007, passando de 145 mil para 721 mil viagens.Segundo o estudo, 40% das pessoas que adquiriram motos nos últimos anos o fizeram para fugir do transporte público, 19% compraram o veículo para lazer, 16% usam a moto como instrumento de trabalho, 10% para substituir o carro e os demais por vários outros motivos. Estudo do Instituto de Ortopedia do Hospital das Clínicas da USP, realizado entre os meses de maio e novembro de 2009, mostrou que dos 22 acidentados por motos atendidos no período, 84% precisaram de internação e, destes, 54% sofreram fraturas expostas. O custo do atendimento a esse grupo de motociclistas chegou a aproximadamente R$ 3 milhões. Já que o Contran preferiu reeditar a fórmula fracassada dos cursos de formação para motoboys, espera-se que os órgãos responsáveis pela fiscalização nos Estados e municípios estabeleçam padrões mais severos de vigilância contra os abusos cometidos por esses "pilotos", que circulam em altas velocidades nos estreitos corredores entre as filas de carros, desrespeitando os motoristas e as leis do trânsito. Só assim poderão diminuir os problemas causados ao sistema de saúde e à Previdência ? uma vez que parcela significativa dos motociclistas acidentados se torna inválida para o resto de suas vidas.