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Melhorar as ferrovias

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Por Redação
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São alentadores os resultados da privatização do setor ferroviário. No início do processo, em 1997, de 43,8 mil vagões, 40% estavam sucateados e de 1.144 locomotivas, 30% estavam em péssimas condições. Dez anos depois, a frota, em bom estado de conservação, havia praticamente dobrado, para 81.642 vagões e 2.227 locomotivas. De 18% de participação que tinha no total da carga transportada no País, a ferrovia elevou sua fatia para 26%. É o fruto de investimentos de R$ 20 bilhões das empresas privadas.Teria sido possível, porém, alcançar resultados ainda melhores se gargalos institucionais e operacionais tivessem sido eliminados. O governo e a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), o órgão regulador do setor, estão preocupados com o fato de, da malha ferroviária transferida para o setor privado, de 28,8 mil quilômetros, apenas pouco mais de um terço (cerca de 10 mil quilômetros de trilhos) ter utilização regular. "Existem trechos concedidos onde há anos não passa um único trem", afirmou ao jornal Valor o diretor-geral da ANTT, Bernardo Figueiredo. Para que essa infraestrutura seja utilizada de modo a compensar ainda melhor os investimentos que nela foram feitos, e atenda pequenos e médios usuários que precisam escoar sua produção, mas estão fora dos trechos mais utilizados, o governo e a ANTT estudam mudanças nas regras de operação do sistema ferroviário que não firam os contratos de concessão. As autoridades apontam a política das concessionárias de concentrar suas operações nos trechos mais lucrativos de sua malha como a principal causa do abandono de quase dois terços dos trilhos. Por isso, uma das medidas que estudam é a mudança do critério de aferição da eficiência das concessionárias. Atualmente, as operadoras precisam cumprir metas globais, ou seja, a operação intensa de apenas parte da malha assegura a consecução dessas metas. O governo pretende estabelecer metas para cada corredor ferroviário dentro da malha. Isso forçaria as concessionárias a operar praticamente toda sua malha. Outro problema identificado pelo governo é o da dificuldade para o compartilhamento da malha, isto é, sua utilização, mediante pagamento, por empresas que não detêm a concessão. Se o compartilhamento fosse regra, a empresa que opera a ferrovia no Porto de Santos, por exemplo, poderia recolher a carga dos navios e entregá-la ao destinatário no Centro-Oeste, área de outra concessionária. Um dos efeitos negativos mais evidentes da dificuldade do uso compartilhado das malhas é a reduzida participação do trem no volume transportado por longas distâncias. Como nos EUA, no Brasil a importância da ferrovia é pequena nos transportes de curta distância e cresce nos transportes de média distância, de até 500 quilômetros, chegando a responder por cerca de 40% do total transportado. A partir de 500 km, no entanto, ao contrário do que ocorre nos EUA, a participação da ferrovia no Brasil cai abruptamente, não tendo praticamente nenhuma presença no transporte de cargas por distâncias iguais ou superiores a 1.000 km. Estudo feito há algum tempo pelo BNDES apontou as dificuldades de interpenetração nas malhas como a principal causa dessa baixa participação. O diretor-executivo da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF, entidade que representa as concessionárias), Rodrigo Vilaça, diz que, da malha concedida à iniciativa privada, pelo menos 4 mil km não têm viabilidade comercial, vê riscos à saúde financeira das empresas com a fixação de metas por corredores e adverte que o maior compartilhamento das malhas pode desestimular investimentos. Em resposta ao governo, a ANTF relaciona providências que cabem ao poder público para dar mais eficiência ao sistema, mas que ainda não foram tomadas, tais como, entre outras, a eliminação de 12 mil passagens de nível, a remoção de habitações das margens dos trilhos em áreas urbanas e o uso compartilhado dos trilhos por composições de carga e de passageiros nas regiões metropolitanas, que reduz a velocidade e limita a passagem dos comboios de carga. O governo, quando propõe mudanças, e a ANTF, quando cobra ações das autoridades governamentais, parecem estar certos.