Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Mercosul bolivariano

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Por Redação
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O Brasil nada ganhará, se a Venezuela entrar agora no Mercosul. Nada perderá, se o país do presidente Hugo Chávez continuar onde está, como parceiro comercial importante e aberto a empreendimentos econômicos de interesse comum. Mas poderá perder muito, se a sua diplomacia comercial ficar na dependência dos humores e dos interesses políticos do criador da Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba). Essa dependência será inevitável, se o presidente Hugo Chávez puder influir com seu voto nas decisões do Mercosul. Sendo o bloco uma união aduaneira, nenhum de seus membros pode negociar isoladamente um acordo de livre comércio nem conceder facilidades comerciais incompatíveis com a Tarifa Externa Comum (TEC). Já não é fácil conciliar os interesses dos atuais sócios do bloco - Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai - quando se trata de negociações com parceiros de fora. Isso ficou provado mais de uma vez nas discussões de um acordo com a União Europeia, um empreendimento até hoje inacabado. Foi provado também quando se tratou de oferecer concessões na Rodada Doha. Cada um dos quatro governos teria de levar em conta os demais, ao preparar suas ofertas, e as diferenças entre Brasil e Argentina, em relação às tarifas para produtos industriais, não foram anuladas nem contornadas. A articulação dos objetivos ficará ainda mais complicada, se for preciso levar em conta as opiniões do presidente Chávez. Ele já afirmou não ter interesse no Mercosul tal como está hoje constituído. Mas o Mercosul não desagrada a Chávez por causa de seus impasses comerciais e de seu mau funcionamento como união aduaneira. Desagrada-lhe, com certeza, por não se enquadrar, por exemplo, nos princípios e nos objetivos da Alba. Os senadores brasileiros parecem ter esquecido esse e outros detalhes importantes ao discutir o ingresso da Venezuela no Mercosul. Que o assunto tenha sido menosprezado pelos senadores governistas é compreensível. Eles apoiam, presumivelmente, a orientação diplomática do Palácio do Planalto, mesmo quando essa orientação é fantasiosa, alimentada por uma ilusão de liderança regional. O desempenho mais preocupante é o dos parlamentares da oposição. Alguns deles manifestam dúvidas quanto às vantagens da admissão da Venezuela no Mercosul, mas seus argumentos são de um amadorismo assustador. O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), relator do assunto na Comissão de Relações Exteriores, referiu-se à personalidade do presidente Hugo Chávez como um fator de complicação. O argumento relativo à personalidade é fraco e desnecessário. As tendências ditatoriais de Chávez são evidentes para qualquer observador medianamente informado, mas o argumento relevante é outro: tem sentido subordinar os objetivos do Mercosul - e do Brasil, portanto - aos fins políticos da Alba? O verbo subordinar é exato, nesse caso, porque o criador da Alba teria poder de veto nas deliberações da união aduaneira. A última exibição da Alba ocorreu às vésperas da 5ª Cúpula das Américas, no mês passado. Reunidos em Cumaná, os presidentes do grupo liderado por Chávez propuseram incluir no documento final da cúpula uma condenação ao programa do etanol, por seus "efeitos negativos sobre os preços dos alimentos e os recursos naturais". Esse não era um tema central da reunião de 34 governantes americanos, mas foi a grande contribuição imaginada pelo grupo chavista. Também o G-20 entrou no documento como "grupo exclusivista". Além disso, na mesma reunião manifestou-se apoio à pretensão do presidente paraguaio, Fernando Lugo, de renegociar com o Brasil o Tratado de Itaipu. Segundo o presidente da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (um órgão federal), Reginaldo Arcuri, a participação da Venezuela no Mercosul dará maior segurança jurídica às empresas brasileiras interessadas em investir naquele país. O argumento é espantoso, porque admite ser insuficiente a atual segurança jurídica oferecida aos investidores. E o governo brasileiro aceita essa situação? Não é preciso pensar na "personalidade" do presidente Hugo Chávez. Dados mais tangíveis dão uma ideia de como ele poderá atuar no Mercosul e de como seu poder de veto poderá afetar os interesses dos demais países do bloco - a começar pelo Brasil.