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Opinião|Mercosul-União Europeia

Atualização:

Depois de mais de 15 anos, no último dia 11, o dia em que o governo do PT foi afastado do poder pelo Senado, iniciou-se finalmente a negociação entre o Mercosul e a União Europeia (UE), com troca de oferta de bens, serviços e investimentos.

Do lado europeu, a decisão não foi sem percalços. Durante um bom tempo, alguns países conseguiram adiar a decisão. Em 29 novembro de 2015, em reunião da Comissão Europeia, três países, França, Irlanda e Hungria, com apoio discreto da Lituânia, da Polônia e da Estônia, manifestaram-se contra o início dos entendimentos com o Mercosul. O apoio da Alemanha e do Reino Unido foi o que propiciou a prevalência da maioria.

Representantes dos setores agrícola e industrial daqueles países objetaram fortemente, sob o argumento de que alimentos geneticamente modificados não poderiam entrar em alguns países e que as restrições na área industrial e de serviços continuariam elevadas. A relutância em tomar uma decisão positiva era justificada pela prioridade na negociação comercial da UE com os EUA, a Austrália, a Nova Zelândia e o México; pelo baixo nível da oferta do Mercosul, em torno de 87% do volume de comércio entre as duas regiões; e pela percepção de que haveria resistência para a aceitação de regras sobre compras governamentais, investimento, direitos trabalhistas, meio ambiente e serviços e outras.

Na reta final, o protecionismo agrícola, liderado pela França, pela Irlanda, pela Hungria e outros, prevaleceu, tanto que a carne e o etanol estão pendentes na lista de ofertas da UE. Embora representando apenas perto de 2% do comércio global da UE, o Mercosul tem um significado geoestratégico (crescente presença da China) e de oportunidade em vista da maior competitividade das empresas europeias.

Do lado do Mercosul, o que facilitou o renovado interesse em avançar os entendimentos com a União Europeia, além da postura pública dos empresários em favor do acordo, foi o empenho do governo brasileiro, em 2015, com gestões de alto nível em todos os países-membros a favor da decisão positiva, com a promessa de que a posição inicial de 87% seria apenas o primeiro passo a ser ampliado quando as negociações efetivamente começassem. A eleição de Mauricio Macri para a Presidência da Argentina e sua intenção de desmantelar as restrições protecionistas ilegais criadas pelo governo de Buenos Aires nos últimos anos foram também fatores positivos. Para o Mercosul, a União Europeia é seu principal mercado, com 20% do comércio global, e envolve também um significado geoestratégico pela necessidade de estar presente quando a UE concluir um acordo comercial com os EUA.

Os obstáculos técnicos derivados da influência da plataforma política do PT sobre as negociações comerciais deverão desaparecer com o governo de Michel Temer. Nos últimos 15 anos a negociação de acordos comerciais mudou radicalmente. A negociação praticada até o final do século 20, cujo foco era a liberalização do comércio pela eliminação das barreiras tarifárias, passou a ter como objetivo principal barreiras não de tarifas, mas de regras complexas de difícil negociação. As normas tradicionais que diziam respeito à redução de barreiras tarifárias e à eliminação de subsídios e incentivos, que traziam distorções ao livre-comércio, usualmente definidas de forma multilateral na Organização Mundial do Comércio (OMC), passaram para segundo plano. Os acordos de última geração – como a Parceria Trans-Pacífico – incluem regras que incidem sobre as legislações internas, existentes nos sistemas jurídicos nacionais.

A negociação com a União Europeia terá o mérito de trazer os países-membros do Mercosul para a realidade dos tempos atuais.

O novo governo vai ter de lidar com as novas características dessa negociação. Não mais vai ser possível ignorar essas transformações e insistir somente nas políticas seguidas nos últimos anos: eliminação das restrições ao acesso a mercados na área agrícola (fim dos subsídios e dos incentivos) e defesa de medidas restritivas para proteger a indústria, arrasada por políticas equivocadas dos governos petistas.

O início das negociações com a UE vai retirar o Mercosul do isolamento promovido pela estratégia de negociação do Brasil e da Argentina até recentemente. Do ponto de vista do Brasil, a negociação é importante porque poderemos acompanhar de perto os entendimentos já iniciados entre a Europa e os EUA com base nos acordos de última geração.

O grande desafio para o Mercosul vai ser como lidar com a pressão da Europa para a redução das tarifas em todos os setores – com listas de exceções reduzidas e com regras inovadoras em propriedade intelectual, na questão do conteúdo nacional, nas compras governamentais, no papel das empresas estatais, na legislação trabalhista e de meio ambiente, entre outras. Na área agrícola, de interesse prioritário para o Mercosul, as cotas reduzidas que certamente serão oferecidas para os produtos brasileiros, em especial a carne, certamente causarão reação interna.

As negociações estão apenas começando e as posições iniciais deverão sofrer adequação ao longo das conversações. Realisticamente, contudo, talvez o acordo, para ser concluído, tenha de ser menos ambicioso do que ambas as partes gostariam, em vista das dificuldades internas dos dois lados.

Apesar dessas incertezas, devem ser saudadas como muito positivas as notícias do início das negociações Mercosul-União Europeia.

O ministro José Serra indicou que o Mercosul fortalecido deve “utilizar a vantagem do acesso ao nosso mercado interno como instrumento de obtenção de concessões negociadas na base de reciprocidade equilibrada”. Com Serra, o acordo não deverá ser concluído a qualquer custo. “Não tem sentido fazer concessões, sem reciprocidade”, é a mensagem que transmitiu a Bruxelas.

*Rubens Barbosa é presidente do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp