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Meu rol de implicâncias

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Por Mauro Chaves
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Retornando ao velho rol: 1) Antigamente havia debates aguerridos no Legislativo brasileiro, com argumentos desferidos de lado a lado, ataques contundentes seguidos de contra-ataques brilhantes, disputas ideológicas, enfim, confronto de ideias e de convicções, fossem em tons agressivos ou amáveis - mas, de qualquer forma, embates que de alguma forma enriqueciam quem pudesse assistir a eles. Hoje em dia não se veem mais nem os deliciosos desaforos no recinto do Congresso Nacional (se quisermos vê-los, temos de mudar o canal para as sessões do Supremo). Oposicionistas atacam o governo e não há ninguém da base do governo interessado em defendê-lo. Governistas atacam a oposição e também ninguém aparece para defendê-la. Todos em plenário continuam falando aos seus celulares, dando gargalhadas em rodinhas, ninguém sentado em seus assentos... Mas há uma implicante exceção: se algum parlamentar se está defendendo de alguma acusação que lhe tenham feito em matéria publicada na imprensa - sempre com aquele ar de indignação que não convence nem sua própria genitora (ou especialmente ela) -, aí começa o desfile de apartes elogiosos ao colega "injustiçado". E então a troca de confetes - até entre adversários políticos - sufoca os ouvidos. Aliás, os apartes no Congresso têm servido exclusivamente para elogiar quem está falando - e nunca para contestá-lo, como se fazia nos tempos em que havia debate parlamentar. É verdade que no recente discurso de "defesa" do presidente José Sarney - provavelmente a mais explícita exibição de desfaçatez já ocorrida na história do Senado da República, especialmente quando ele indagou o que eram os tais "atos secretos" (que ele desconhecia) - não houve senador que tivesse a coragem de apoiá-lo com algo mais do que a homenagem do silêncio - embora um ou outro, entrevistado depois, o elogiasse com a clareza de fala de um ventríloquo. 2) Tenho implicado muito com o desprezo ao consumidor que demonstram as lojas que vendem produtos que quebram no outro dia. Há uma, por exemplo (que até já foi a maior rede varejista do País), que antes da venda jura "dedicação total a você", mas depois não demonstra nem uma "dedicaçãozinha parcial a você", remetendo-o com seu produto comprado na véspera (e logo quebrado) para uma "assistência técnica" que usa a seguinte malandragem: como o Código de Proteção e Defesa do Consumidor (artigo18) reza que depois de 30 dias o comprador tem a opção de trocar o produto ou receber o dinheiro de volta corrigido, aos 29 dias ela devolve ao freguês o produto "consertado", que quebra de novo, e ela o enrola por mais 29 dias, e assim por diante. 3) Esta implicância deriva da anterior e é em relação ao Procon - que deveria chamar-se Procom (Proteção ao Comerciante) ou Procon mesmo, mas como sigla de Proteção ao Contumaz (desrespeitador do consumidor). É que o Procon "interpreta" erradamente o que sejam "fornecedores de produtos", no Código. Para o consumidor, quem fornece o produto é a loja em que ele o comprou, e não o fabricante, que é o fornecedor da loja (e não do consumidor). Assim, a relação do cidadão que comprou é com o comerciante, e não com o fabricante. O comerciante é o responsável, perante seus fregueses, pela qualidade do produto elaborado por quem ele escolheu como fornecedor. É por isso, aliás, que no caput do artigo 18 do Código está que os fornecedores "respondem solidariamente pelos vícios de qualidade (dos produtos) que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam". Se fornecedores (em relação aos consumidores) fossem só os fabricantes, quem (e por quê) responderia "solidariamente"? Mas o pessoal do Procon acha mais cômodo (do que examinar atentamente a lei) raciocinar ao pé do ouvido e dizer que o comerciante não tem responsabilidade alguma pelo produto quebrado que vendeu - quem tem é apenas o fabricante e o consumidor que se entenda com ele! 4) Tenho achado muito implicante a suposta "americanização" de todas as palavras estrangeiras que são ouvidas no rádio. Na Voz do Brasil, por exemplo, ao se referirem à companhia aérea francesa só dizem "air frênce", e ainda enrolando o "erre", assim como muitos locutores e apresentadores de televisão só se referem ao time inglês Manchester City como "Manchester Ciri". É preciso respeitar os sotaques dos povos - sem tentar imitar um deles -, sob pena de a nossa juventude passar vexame idiomático no mundo globalizado. 5) Implico com o hermetismo pedante de alguns textos de apresentação de artistas plásticos em catálogos de exposição. São escritas coisas que nem o próprio artista nem seus colegas e muito menos o público conseguem entender. Veja-se, por exemplo: "Nossa relação com os trabalhos jamais poderia ser a relação do pensador com o objeto do pensamento. Se assim o fosse tenderíamos ao intelectualismo, postura que já parte de uma certeza sobre a verdade do percebido, que de modo transparente se ofereceria à consciência, como se o pensamento já possuísse de antemão a significação do objeto percebido." Entenderam? Bem, esse até que, forçando um pouco, dá. Mas vejam este outro: "No rebatimento das projeções de cada objeto encravado em seu suporte supõe-se a interlinearidade das sensações contidas, como se o artista extrapolasse o cunho positivo da negatividade, para recair na positividade do vácuo expresso. E é, justamente, nesse estágio de intersecção revestido de opulência cromática que transparece o significado mais profundo do fazer pictórico, como se a vertente conceitual do significante absorvesse, por completo e finalmente, a realidade do objeto impregnado de todos os seus matizes." Entenderam agora? (Arre!) Mauro Chaves é jornalista, advogado, escritor, administrador de empresas e pintor. E-mail: mauro.chaves@attglobal.net