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Meu rol de implicâncias

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Por Mauro Chaves
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227. Certas práticas de torcedores de futebol, especialmente em competições internacionais, às vezes viram moda e duram algum tempo. Foi o caso, por exemplo, do olé, que surgiu em fevereiro de 1958 numa partida do Botafogo com o River Plate, no México, quando, a cada drible acachapante de Garrincha nos jogadores argentinos, o estádio vinha abaixo gritando "olé!", como nos lances das touradas. E foi no mesmo México, durante a Copa do Mundo de 1986, que os torcedores começaram a fazer a "hola" - belíssima e espontânea coreografia que sempre encantou quem quer que aprecie algo inteligente inventado pelos torcedores nos estádios. Por isso é tão implicante a referência divertida e cúmplice que a mídia esportiva tem feito à insuportável vuvuzela. A corneta inventada pelos sul-africanos não tem nada que ver com o som das batucadas durante os jogos. É um mugido uníssono de sirene, que impede de se ouvir quaisquer cantos, coros, ritmos, vaias e até os criativos xingamentos das torcidas, dando a todas apenas o meio de expressão sonora vacum. Eta, cornetona idiota, sô!228. Por falar em Copa, o amistoso da nossa seleção com a de Zimbábue só serviu, como se previa, para fazer a propaganda mundial de Robert Mugabe, o sanguinário ditador, há 30 anos, de um dos países mais miseráveis do mundo. Ele apareceu seguidamente na tela da televisão, em pleno gramado, ao lado do sorridente chefe da delegação brasileira. A cena só não foi mais implicante porque, embora obedecendo à nossa atual Política de Proteção às Ditaduras (PPD), pelo menos no futebol o Brasil exigiu alguns milhões para fazer o que o Itamaraty tem feito de graça. Pena que também não tenha exigido a execução correta do nosso Hino Nacional - que no Zimbábue foi tocado com melodia mais próxima à do samba do crioulo doido.229. Por falar nisso, o que é implicante, ao contrário do que alguns têm achado, não é a saudável prática cívica de executar nosso Hino Nacional antes das partidas de futebol. Implicante é a demonstração generalizada - por parte da mídia, que nisso influencia jogadores e torcedores - de ignorante desrespeito a esse símbolo nacional. Há rede de televisão que costuma fazer suas transmissões das partidas só depois do Hino (para não interromper sua propaganda de cerveja), contribuindo assim para a troca definitiva, em curso, do civismo pela cevada.230. Já no jogo não futebolístico das relações internacionais, é muito implicante o patrulhamento de críticas a governos estrangeiros, como se estas fossem agressão a um "povo irmão". Chamar de "gafe" a crítica ao atual governo boliviano por sua cumplicidade na entrada da maior parte da cocaína que chega ao Brasil é não ligar para a trágica vulnerabilidade de nossas fronteiras. É ignorar que Evo Morales, o competente líder cocaleiro de Cochabamba, colocou na nova Constituição boliviana o reconhecimento oficial de que a coca é um "fator de coesão social"; que anunciou a ampliação do cultivo da coca em 21 mil hectares (quando a demanda boliviana pela folha não ultrapassa 7 mil); e que 71% da coca produzida na Bolívia não é mascada por sua população nem usada em chás, mas transformada em cocaína, para exportação - especialmente para o generoso vizinho de grande fronteira e coração abertos. A propósito, o ministro boliviano que exigiu provas da acusação de José Serra se chama Oscar Coca - certamente um craque no assunto.231. Ainda sobre futebol, é muito implicante a nova moda adotada por alguns jovens nas escolas, nos clubes e nas peladas, que estão chamando de sistema Justiça Eleitoral. Consiste em algumas inovações nas regras do ludopédio, tais como: é aceitável a marcação de gol com a mão, desde que com o cotovelo encostado na cintura (também apelidado gol Maradona); na cobrança de pênaltis são permitidas até cinco paradinhas, desde que não sejam mais de três ameaças consecutivas de chute, apontadas para o mesmo lado do goleiro; o juiz pode mostrar até sete cartões amarelos antes do vermelho - e só depois de três vermelhos o jogador faltoso pode ser expulso de campo, a não ser que o adversário atingido fique desacordado, caso em que um vermelho bastará para a expulsão. Sinceramente, o futebol jogado assim não corre o risco de se tornar um tanto brusco?232. Ainda quanto a inovações recentes - agora no campo da comunicação -, há uma que acho um tanto implicante, nos telejornais com dois apresentadores. Primeiro se descobriu que o apresentador que não está falando deveria ficar olhando para o que está, o que não deixa de ter alguma lógica, embora pareça um tanto artificial. Mas, agora, o apresentador que está passando a matéria para o público telespectador de vez em quanto dá umas olhadas para o parceiro ao lado, como se os dois apresentadores estivessem desenvolvendo um "diálogo". Ora, não se trata disso. É o público telespectador que é o receptor da informação e todo o gestual da apresentação do telejornal deve ser endereçado a ele, em sua direção. Diálogo que alterne o olhar para a câmera e para o parceiro de bancada só tem sentido nas entrevistas ou nas entradas de comentaristas - o que não é o caso na função de dois apresentadores.233. Mas no campo da comunicação em rádio e televisão, mais implicante do que a forçada inovação é a cômoda imitação, que para muitos se transforma numa espécie de bordão compulsório. Por exemplo, alguns âncoras não conseguem fazer o bestunto funcionar para inventar, nos intervalos, uma frase diferente de "daqui a pouco a gente volta" ou, ao fim dos programas, algo um pouco mais original do que "obrigado pelo carinho e pela audiência".P.S.: Acharam o vice de Serra? Aleluia!JORNALISTA, ADVOGADO, ESCRITOR, ADMINISTRADOR DE EMPRESAS E PINTOR. E-MAIL: MAURO.CHAVES@ATTGLOBAL.NET