
04 de dezembro de 2010 | 00h00
Mesmo os que estão longe de concordar com posições habitualmente assumidas pelo senador Antonio Carlos Magalhães (é o nosso caso) não devem furtar-se a uma reflexão sobre essa proposta, porque ela faz sentido. É claro que a função principal - e constitucional - das Forças Armadas é a defesa do território e da soberania nacionais, em face de eventuais ameaças de inimigo externo. Reconheça-se, no entanto, que nos dias que correm a ameaça de um inimigo externo é infinitamente menor, para a sociedade brasileira, do que o aumento descomunal da violência e da criminalidade, especialmente nos grandes centros urbanos. Reconheça-se também que a função de um policial militar, ao dar combate aos criminosos, não é menos nobre, enquanto serviço prestado à Pátria, do que a exercida pelo soldado numa hipotética guerra contra inimigo externo. Nos dois casos há abnegação e heroísmo.
A diferença é que um servidor das Forças Armadas, em sua função principal, se dedica a um treinamento rotineiro tendo em vista uma situação de raríssima ocorrência - a guerra externa -, enquanto o servidor da Polícia treina para a aplicação de sua destreza em situações de altíssima ocorrência. Quer dizer, uns se exercitam todos os dias - ou, pelo menos, deveriam fazê-lo - para servir à Pátria em eventualidades tão remotas que podem deixar de ocorrer durante toda a sua vida profissional. Enquanto outros cumprem treinamento para, pondo a própria vida em alto risco, todos os dias, assegurar o direito à vida - e aos bens, e à segurança - de todos os cidadãos. Indaguemos, então: numa situação de grande escassez de recursos, se tivesse de optar entre fazer investimentos - em reequipamentos, reciclagens, treinamentos - numa dessas duas nobres funções públicas, qual a sociedade julgaria mais prioritária e urgente?
A presença marcada nas fronteiras, em todas as regiões do imenso território brasileiro, a fiscalização exercida em nossa enorme costa, o auxílio a populações carentes dos lugares mais remotos do Brasil são missões, exercidas pelas Forças Armadas, que a sociedade muito valoriza e prestigia. No entanto, se os militares, preparados por treinamento específico, viessem ajudar a pôr algum freio na violência insuportável e na criminalidade descomunal que já deforma e esgarça o próprio tecido social do País, haveriam de desfrutar reconhecimento muito mais imediato, de valor e função essencial, perante toda a coletividade.
Na verdade, quando muito se discute sobre o "novo papel" que cabe às Forças Armadas depois de termos atingido o pleno Estado de Direito democrático, o que se pretende é que os militares percam por completo a imagem de velhos usurpadores do poder civil e se tornem uma classe de servidores públicos que a sociedade considere realmente útil, especialmente nestes tempos de grandes crises e carências sociais de todo gênero. Dificilmente se conseguirá descobrir um "novo papel" para os militares que não inclua contribuições efetivas para a solução de graves problemas que atingem a sociedade de maneira imediata, tais como o narcotráfico, o crime organizado, a devastação dos ecossistemas ou predação do meio ambiente.
Imagine-se, agora, se nas periferias das grandes cidades, onde as populações não têm condição alguma de se proteger contra o domínio do narcotráfico e do crime organizado, servidores vestidos com o honroso uniforme do Exército - e adequadamente treinados, para essa missão - ocupassem, ostensivamente, determinados lugares públicos. Será que essa população se sentiria mais insegura? E será, mesmo, que a origem humilde da grande maioria dos nossos militares - como insinuou o ministro da Defesa - é capaz de torná-los mais receptivos ao assédio corruptor ou, justo ao contrário, o ânimo que leva um cidadão brasileiro a engajar-se e seguir carreira militar é um misto de desprendimento, coragem e amor ao País, que o torna menos suscetível ao recebimento de vantagens materiais, que o façam arrefecer na luta contra os que atentam contra a vida, a saúde e a segurança de seus compatriotas?
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Publiquei o artigo acima reproduzido, com esse mesmo título e neste mesmo espaço, há dez anos e meio - precisamente em 3 de junho de 2000. Choveram cartas contra o texto. Os mesmos argumentos contrários a colocar as Forças Armadas no auxílio às polícias têm sido invocados agora, especialmente quanto aos riscos de contaminação pela corrupção. Certamente não se pode alegar falta de legitimidade, já que o artigo 142 da Constituição é claro quando atribui às Forças Armadas também a defesa "da lei e da ordem" (e a quebra da lei e da ordem é evidente no domínio das comunidades pelos narcotraficantes). Aceita-se plenamente o provérbio "a ocasião faz o ladrão". Mas, e o brio da farda? E o orgulho militar?
As bandeiras hasteadas no Alemão e em várias cidades dizem que patriotismo não é cafonice.
JORNALISTA, ADVOGADO, ESCRITOR, ADMINISTRADOR DE EMPRESAS E PINTOR. E-MAIL:
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