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Opinião|Modernização trabalhista

Há, sem dúvida, uma mudança de paradigma: novas leis expressando um novo tempo

Atualização:

Inegavelmente, a pinguela está se mostrando uma ponte!

Com coragem, a despeito de previsões pessimistas, o presidente Temer, secundado pelo seu ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, assinou uma medida provisória e um projeto de lei, em regime de urgência, com as novas regras que passarão a reger o seguro-desemprego e as relações trabalhistas. Para os que pensavam que nada disso aconteceria neste ano – e talvez nem no próximo –, o governo deu provas de seu perfil reformista.

Um tabu foi rompido. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) era considerada sacrossanta por todos aqueles apegados ao passado e receosos de qualquer tipo de modernização. A situação não deixava de ser curiosa, pois uma legislação da primeira metade do século 20, imbuída do espírito corporativo de então, continua a reger relações econômicas, sociais e trabalhistas completamente distintas. É como se os mecanismos da máquina de escrever continuassem válidos na era da internet, do computador, do iPhone e do iPad.

Ninguém em sã consciência apregoaria tal coisa, porém a mesma surpresa é como se não valesse para outros aspectos de mudanças de mundo. Acrescente-se, ainda, que a legislação getulista remonta também ao castilhismo gaúcho do final do século 19, deitando suas raízes na doutrina de Augusto Comte. Será que é o mesmo mundo?

É da maior importância ressaltar que tais medidas de modernização não foram impostas administrativamente, mas foram o resultado de laboriosas negociações conduzidas pelo ministro do Trabalho. As três maiores confederações patronais (CNA, CNC e CNI) foram consultadas e apresentaram importantes sugestões. O mesmo ocorreu com as centrais sindicais (Força Sindical, CUT, UGT, Nova Central, CBS, CBT, Comlutas), que estabeleceram um rico diálogo. Todas foram igualmente parceiras, preocupadas com o desemprego, com a preservação de direitos e com os avanços sociais e econômicos.

O País estava imerso na insegurança jurídica. Quem pensaria investir num local com uma legislação anacrônica, em dissintonia com as novas relações econômicas? Como o negociado entre as partes pode ser simplesmente anulado por uma decisão judicial? E isso num contexto de intensa competitividade internacional! Agora, a segurança passará a vigorar.

Embora não tenha aparecido no noticiário, o ministro Nogueira viajou por várias cidades do País, às vezes num mesmo dia, preocupado com a negociação e o diálogo. As portas lhe foram abertas. Seu objetivo consistiu em trazer as partes para um acordo, descartando tudo o que pudesse ser razão para conflitos.

Para quem pensa que capital e trabalho devem sempre se enfrentar, o exemplo que está sendo apresentado ao País é o de um processo em que todos ganham se souberem se reconhecer como entidades e pessoas autônomas, cada uma sendo capaz de apresentar os seus argumentos. No fim, todos saem vitoriosos, o que significa dizer que o País avança.

A solenidade no Palácio do Planalto foi uma bela amostra desta concertação, desta pacificação, com líderes dos trabalhadores e patronais elogiando o clima de diálogo e de negociação. O presidente do Tribunal Superior do Trabalho, ministro Ives Gandra Martins, em sua fala, bem expressou o que todos estavam pensando: trata-se de um “evento histórico”, algo reafirmado logo depois pelo próprio presidente da República.

O maior avanço das medidas proposta consiste no prestigiamento da negociação coletiva, que passa a ter força de lei. Ou seja, o acordado entre as partes, segundo uma lista estabelecida no projeto de lei, passará a valer legalmente, não podendo ser modificado pela Justiça trabalhista. Direitos consolidados na CLT são preservados, ao mesmo tempo que se abre um espaço de negociação entre empregadores e trabalhadores, que passam a decidir enquanto pessoas livres o que mais lhes convém. Deixam de ser tutelados e passam a ser autônomos.

Os contenciosos trabalhistas, por sua vez, tendem a diminuir, assim como a ingerência dos tribunais nestas decisões. Para ter uma ideia da transformação proposta, em torno de 90% dos conflitos trabalhistas giram em torno destes pontos, que passam a ser objetos de uma deliberação conjunta. Exemplos: jornada de trabalho, contemplando as jornadas parciais e temporais, gozo de férias, que podem ser divididas segundo a conveniência das partes, participação nos lucros e resultados, intervalo entre jornadas, jornada em deslocamento, banco de horas, trabalho remoto, registro de ponto e remuneração de produtividade. Note-se que são pontos que, vistos de perto, não infringem nenhum direito, mas deixam as partes decidirem por aquilo que mais lhes beneficia.

Deixa de ser necessária a tutela do Estado. Ora, para que isso ocorra é preciso que os trabalhadores se organizem de forma independente, em cada uma das empresas, e sejam agentes mesmos desta negociação. O projeto de lei estipula que, para cada 200 trabalhadores, estes elejam um representante por empresa, com máximo de cinco. Esses representantes passariam a ter estabilidade no emprego por um período de seis meses.

Para que exista negociação coletiva, é imprescindível uma representação independente de trabalhadores, organizados em comitês nas empresas. A conquista social é, aqui, de monta. Ninguém melhor do que os trabalhadores para saberem o que é melhor para eles. Ninguém melhor do que os empregadores para saberem o que é melhor para as suas empresas.

O emaranhado de leis regendo as relações trabalhistas, com súmulas dos mais diferentes tipos e gostos, tenderá a ser algo ultrapassado na medida em que empregadores e trabalhadores passarem a se reconhecer como entidades e pessoas livres.

Sem dúvida, há, aqui, uma mudança de paradigma, com novas leis expressando um novo tempo. O Brasil não pode mais ficar atrelado ao passado e a ideologias que não mais respondem às necessidades do presente. O País, definitivamente, moderniza-se!

* Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na UFRGS - email: denisrosenfield@terra.com.br

Opinião por Denis Lerrer Rosenfield