
15 de dezembro de 2012 | 02h07
"É preciso encarar os fatos", disse ainda Bogdanov, em um reconhecimento impensável até há bem pouco, para deixar claro que o acendrado realismo da política externa russa é um breve contra a eventual tentação de amparar um aliado a caminho do cadafalso em nome dos interesses estratégicos e econômicos que foram bem atendidos durante os 41 anos da dinastia Assad - primeiro com Hafez, depois com o seu filho Bashar. O diplomata anunciou, por fim, que a Rússia se prepara para resgatar os seus cidadãos do país convulsionado. Moscou até que fez muito, dentro do que entendeu estar a seu alcance, em defesa da tirania de Damasco. No Conselho de Segurança das Nações Unidas, juntamente com a China, bloqueou recorrentes tentativas ocidentais de impor sanções globais à Síria e de autorizar medidas preventivas que poderiam desembocar numa intervenção estrangeira, como o bloqueio aéreo e o apoio logístico aos rebeldes líbios, decisivos para a queda (e execução sumária) do ditador Muamar Kadafi, há pouco mais de um ano.
Enquanto Bogdanov jogava a toalha, o secretário-geral da Otan, a Aliança Atlântica, afirmou que o fim do regime sírio "é só uma questão de tempo". O impossível é prever a duração desse tempo, os custos humanos do desenlace e a carga imposta aos países vizinhos pelo crescente fluxo de fugitivos da carnificina, vivendo em condições desesperadoras. Tampouco há consenso sobre o que o mundo pode fazer para apressar o inevitável. O cenário de uma transição (relativamente) pacífica, com endosso multilateral, que pouparia Assad de ser justiçado pelos seus ou de ser levado ao Tribunal Penal Internacional de Haia, lembra cada vez mais uma miragem. Assad tanto poderá embarcar na aventura de entrincheirar o seu governo na região costeira dominada pelos alauitas, a seita da família, ou fugir para a América bolivariana que o apoia - Venezuela e Equador, notadamente.
De seu lado, o líder da Coalizão Nacional Síria, a oposição reconhecida por uma centena de países, Moaz al-Khatib, diz que o apoio estrangeiro não é imprescindível para a tomada do poder. (Embora os insurgentes tenham recebido armas, treinamento e apoio logístico da Turquia, Catar e Arábia Saudita, o mesmo que o Irã proporciona a Assad.) O desenrolar do conflito dá razão ao colunista Peter Beaumont, do Guardian de Londres, para quem "mesmo quando se aproximam do desfecho, as guerras têm o costume de obedecer ao seu próprio calendário". O espectro mais aterrador que assoma é o uso de armas químicas. O regime não nega tê-las. Assegura que não as empregará contra a população síria, mas de um ditador que de há muito rompeu relações com a racionalidade que parecia caracterizá-lo, sem prejuízo dos seus tacões, é possível esperar qualquer coisa, incluindo atingir as próprias tropas em confronto próximo com os inimigos a serem abatidos.
Para cobrir de vez o horizonte, não é de excluir que, deposto Assad, ao menos parte de seus estoques de armas de destruição em massa caia em mãos dos combatentes islâmicos procedentes de outros países, que rezam pela cartilha da Al-Qaeda. Os EUA acabam de incluir um desses grupos, a Frente Al Nusra, na sua lista de organizações terroristas.
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