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Mudança adiada

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Por Redação
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Apesar dos esforços de sua liderança na Assembleia Legislativa, ainda não foi desta vez que o governador Geraldo Alckmin conseguiu a aprovação do projeto de lei complementar que, a pretexto de ampliar as receitas do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), altera sua natureza jurídica e desvirtua seu papel como órgão público dedicado ao atendimento geral da população, sem discriminações. Na quarta-feira (9/11) as lideranças partidárias concordaram em submeter o projeto ao plenário, mas, por falta de quórum, a votação foi suspensa, sem data para nova votação.O projeto transforma o HC em autarquia de regime especial e o autoriza a atender pacientes possuidores de planos de saúde privados, cobrando pelos serviços que prestar. É injustificável que uma instituição pública como o HC cobre por serviços que deve prestar gratuitamente e, sobretudo, que, ao cobrar de uns e não de outros, acabe gerando dois sistemas de atendimento - a chamada "porta dupla" -, o que pode resultar no atendimento preferencial para os que pagam pelos serviços. Afinal, se o HC passar a atender os planos de saúde, os possuidores desses planos poderão marcar consultas e realizar determinados procedimentos com mais rapidez, como fazem quando recorrem a qualquer unidade médica conveniada. Já os demais pacientes, atendidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), continuarão na fila.Proposto pelo então governador Cláudio Lembo em dezembro de 2006, quando uma grave crise financeira atingia a Fundação Zerbini - vinculada ao Instituto do Coração (Incor) do HC -, o projeto estava pronto para ser votado desde 2007. Por seu caráter polêmico, porém, estava parado. Neste ano, por iniciativa da base governista, passou a tramitar com rapidez. A dificuldade enfrentada pela bancada do governo na sessão de quarta-feira sugere que, mesmo dentro dela, enfrenta resistências.Os defensores do projeto alegam que, para preservar a qualidade de seus serviços e manter-se como referência internacional na área de saúde em termos de tecnologia e equipamentos, o Hospital das Clínicas necessita de recursos adicionais. A maneira de obter esses recursos é cobrar daqueles que podem pagar pelos serviços. Além disso, como tem afirmado em artigos e entrevistas o professor da FMUSP e membro do conselho deliberativo do HC, José Octávio Costa Auler Jr., com mais recursos o hospital poderá ampliar e melhorar os serviços também para os atendidos pelo SUS.Certamente, o bom uso de recursos adicionais terá diversos resultados positivos para a instituição hospitalar e para o público em geral. Hospitais privados e aqueles que são geridos por organizações sociais (OS) por meio de contrato com órgãos do Estado têm autonomia administrativa e financeira para buscar, legitimamente, receitas adicionais de que necessitem para manter e melhorar seus serviços. Podem optar por atender pacientes particulares, do SUS e dos planos de saúde na proporção que quiserem, cobrando mais de uns do que de outros. O que se questiona é se os recursos adicionais de que o HC necessita podem ser obtidos mediante a cobrança dos serviços. Como instituição pública - condição que será preservada mesmo com sua transformação em autarquia de regime especial, -, o HC deve prestar serviços gratuitamente, e sem discriminações.Quanto aos recursos para prestar esses serviços, é do poder público o dever de provê-los. Cabe ao governo do Estado destinar ao HC os que forem necessários para sua manutenção, funcionamento, aperfeiçoamento e ampliação dos seus serviços.Sendo uma instituição pública, o HC não pode tratar diferentemente os cidadãos. Os que defendem o projeto asseguram que isso não ocorrerá e que, com mais recursos, a instituição poderá até prestar serviços melhores para todos. O que ocorreu no Incor, que há tempos adotou o sistema de "porta dupla", foi a criação de duas classes de pacientes, a dos que pagam, e têm atendimento imediato, e a dos que não pagam, e às vezes esperam até 14 meses por alguns procedimentos.