27 de janeiro de 2015 | 02h05
O primeiro aspecto que chama a atenção de qualquer visitante é a resignação da população diante das suas limitadas condições de vida. Há escassez de alimentos e de quase tudo, de serviços, em especial de transportes coletivos, e de moradia, com até três gerações de uma mesma família dividindo precários edifícios de pequenos apartamentos.
Desde 2011 o governo de Havana passou a implementar um plano econômico de longo prazo com vista a estabilizar a economia com maior crescimento e a corrigir as grandes distorções macroeconômicas atuais quanto ao câmbio (sem modificação desde 1959, acumula uma depreciação de 24.000%), à taxa de juros, aos salários e ao baixo nível de investimento. Apesar disso, a economia deve crescer entre 3% e 4% em 2015. Esse programa de governo vai agora ser confrontado pelos desafios do restabelecimento das relações com os EUA.
Assim como na área política, o governo de Cuba deverá continuar a manter a economia sob rígido controle. A aspiração mais forte hoje na sociedade cubana é por trabalho, casa e carro, sem preocupação ideológica contra o governo. Há uma pacífica submissão política, contestada por uma minoria sem significação na prática. A "perestroika" cubana em curso continuará a ser gradual e realizada segundo as prioridades e os interesses do Partido Comunista, no poder. Em Cuba deve ocorrer, assim, mais um experimento de socialismo com paulatinas modificações de mercado. Com as ressalvas das peculiaridades de cada país, o modelo que Cuba deverá seguir será muito semelhante ao da China e do Vietnã: abertura econômica gradual e nas áreas de interesse do Estado e rígido controle político pelo partido e pelos militares.
A economia continuará estatizada e planificada, com um papel mais ativo de pequenas empresas não estatais - individuais ou cooperativas - nos setores agrícola, de comércio e industrial. Desde 2011, com a liberalização de alguns setores, surgiram pequenos negócios, que já contam com 500 mil pequenos empresários "autoempregados", representando cerca de 5% da economia.
Nesse novo processo econômico, segundo lei aprovada em 2013, uma das prioridades é a abertura ao capital estrangeiro em setores de estrito interesse do governo de Havana, como turismo, petróleo, biotecnologia, alimentação e energia renovável (biomassa).
A negociação para o restabelecimento das relações e a abertura das embaixadas em Havana e em Washington deverá estar concluída nos próximos meses, abrindo-se uma nova fase na história de Cuba. Do lado cubano, os principais objetivos nessa etapa da negociação são a retirada do país da lista de países que apoiam o terrorismo e o fim do embargo - "o mais longo genocídio da história", lê-se numa grande placa perto da Praça da Revolução -, para restabelecer a normalidade econômica, comercial e financeira com os EUA e com o mundo.
Em pronunciamento ao Congresso dos EUA no último dia 20, o presidente Barack Obama defendeu o fim do bloqueio econômico. Essa decisão, contudo, não virá em curto prazo, porque depende não do Executivo, mas do Congresso, onde os republicanos têm maioria e dificilmente aprovarão a revogação da Lei Helms-Burton, de 1996. Embora a oposição da comunidade cubana na Flórida tenha diminuído, esse tema não aparece como uma de suas prioridades e não deverá ter muito significado na agenda da campanha presidencial de 2016. Por essa razão e pelos estritos controles que estão sendo estabelecidos pelo governo cubano, não deverá haver uma invasão comercial norte-americana, mesmo depois do fim do embargo.
É importante que o setor privado, com o apoio do governo brasileiro - que desfruta posição privilegiada junto ao governo cubano -, tenha uma ideia clara dos desafios e das oportunidades do mercado cubano, sobretudo para minimizar as dificuldades para explorar o mercado local. A maior delas será não a falta de pagamento, como ocorre na Argentina e na Venezuela, mas a forte competição dos produtos norte-americanos, chineses e europeus. O risco de perda do espaço conquistado até aqui pelas empresas brasileiras estará nas áreas dos investimentos em infraestrutura, do fornecimento de máquinas e equipamentos, de alimentos e de produtos agrícolas.
As oportunidades que se abrirem deverão concentrar-se nos setores e nos projetos de interesse do governo cubano e deveriam ser rapidamente examinadas pelas empresas brasileiras. O apoio político do governo de Cuba é um dado positivo que deve ser utilizado na identificação de nichos de mercado, como o de alimentos (mercado de US$ 2 bilhões em 2014) e o de geração de energia a partir do bagaço de cana. Em ambos, as empresas brasileiras vão sofrer a competição dos produtos norte-americanos e por isso não há tempo a perder a fim de ocupar espaços para abrir o mercado ou ampliar sua presença tanto no fornecimento para a cesta alimentar básica e os vazios supermercados locais quanto na apresentação de propostas de colaboração no setor de etanol e geração de energia.
Nesse novo cenário, se nada for feito, o Brasil, do ponto de vista econômico e comercial, poderá ser um dos países mais afetados negativamente pelas mudanças internas, assim como a Rússia, o Canadá e a China, a maior parceira comercial de Cuba.
*Rubens Barbosa é presidente do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp
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