Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Muita multa, pouca educação

As multas de trânsito continuam a crescer em ritmo acelerado em São Paulo, reforçando os argumentos de quem acha que há muito elas se transformaram, sim, numa verdadeira “indústria”

Exclusivo para assinantes
Por Redação
2 min de leitura

As multas de trânsito continuam a crescer em ritmo acelerado em São Paulo, reforçando os argumentos de quem acha que há muito elas se transformaram, sim, numa verdadeira “indústria”, no sentido de que a Prefeitura está mais preocupada em reforçar com o dinheiro delas os seus cofres do que com a sua função educativa. A redução da velocidade máxima permitida nas ruas da cidade, em vários níveis, tal como foi feita pelo governo de Fernando Haddad, está servindo para acentuar essa distorção.

Reportagem do Estado mostra que o número de multas por excesso de velocidade – quase 12, em média, por minuto – dobrou de janeiro a abril deste ano em comparação com igual período de 2015. Em números absolutos, o salto foi de 1,07 milhão para 2,07 milhões. Esse aumento se refere somente às infrações relativas à ultrapassagem do limite em até 20%. É preciso assinalar também que elas constituem uma parte considerável do total das infrações cometidas por motoristas (5,2 milhões).

Esses dados são importantes, porque aquela não é uma infração típica de quem abusa da velocidade de forma deliberada para ganhar tempo a qualquer custo. Embora nenhuma infração possa ser justificada, deve-se convir que, para ultrapassar a velocidade em até 20% do limite, basta um pequeno descuido de que não estão livres até mesmo os mais sensatos motoristas. Tanto no caso da velocidade máxima de 50 km/h, de quase toda a cidade, como principalmente no dos limites de 40 km/h e 30 km/h das ruas menos movimentadas.

Esses motoristas estão, portanto, longe de ser os vilões que alguns pintam, mas mesmo assim constituem um dos principais grupos responsáveis pelo grande aumento do número de multas, em seguida à alteração dos limites de velocidade, como mostram as estatísticas.

Deixando de lado o caso das Marginais – vias expressas nas quais não faz o menor sentido reduzir a velocidade como se fez –, o limite estabelecido para praticamente todas as demais vias é razoável e segue padrões internacionais. Com a diferença de que lá fora, nos países desenvolvidos que devem ser nosso exemplo, medidas como essas são sempre seguidas de campanhas educativas. Se a Prefeitura tivesse agido dessa forma, preparando os motoristas para se adaptarem às novas regras, certamente não seria tão elevado o número dos multados por ultrapassarem os limites em até 20%.

O ponto central que caracteriza a multa de trânsito como “indústria” é justamente o destino dado aos recursos que ela propicia. Em vez de seguirem para as finalidades estabelecidas pelo Código de Trânsito, entre as quais está a educação dos motoristas, eles acabam reforçando os cofres municipais. Como diz o especialista em engenharia de trânsito Creso de Franco Peixoto, “a quantidade alta de infrações é resultado do fato de que o dinheiro arrecadado (com as multas) não está sendo usado na educação de trânsito”. E é muito dinheiro. De R$ 988 milhões em 2015, previa-se no começo do ano que pulariam para R$ 1,1 bilhão. O desempenho da “indústria” até abril indica que esse número pode ser maior.

Um outro indício de que o governo municipal pensa essencialmente nas multas e no dinheiro que elas trazem, deixando de lado o mais que se refere a elas, é o pouco-caso com que trata suas obrigações com o Detran. O Departamento de Operações do Sistema Viário (DSV) vem atrasando o envio ao Detran de solicitações de quem conduzia o veículo, quando multado – se o proprietário ou alguém mais.

A consequência disso é que muitas vezes a perda de pontos na Carteira Nacional de Habilitação (CNH) é atribuída ao proprietário, mesmo que não seja ele o infrator, erro que ele pena para corrigir. O problema é grave porque, em decorrência da multiplicação das multas, aumentou muito também o número de CNHs suspensas – 14 mil, em média, por mês. São milhares hoje os motoristas que pagam pela ineficiência do DSV. Ela contrasta com a alta eficiência na aplicação de multas, que rende uma fortuna à Prefeitura.