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Municípios fora da lei

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Por Redação
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Mais de 80% dos municípios brasileiros apresentaram, em abril passado, irregularidades fiscais, de acordo com levantamento da entidade não governamental Contas Abertas. É sintomático que, após 15 anos de vigência da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), tão alto porcentual dos municípios ainda tenha dificuldades em cumpri-la. Naturalmente, a LRF não é parte do problema, e sim da solução, ao evidenciar que as administrações municipais ainda têm um longo caminho a percorrer até alcançarem uma gestão responsável e transparente dos recursos públicos. Em abril, dos 5.568 municípios brasileiros contabilizados pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM), 4.638 tiveram algum tipo de apontamento no Cadastro Único de Convênios (Cauc) – sistema do governo federal que recebe as informações administrativas, fiscais e contábeis dos Estados e municípios. Criado em 2001, o Cauc possibilita que a União acompanhe como os demais entes federativos estão cumprindo suas obrigações fiscais. Nesse controle sobre o cumprimento da LRF, o Cauc utiliza quatro critérios: adimplência financeira, prestação de contas de convênios, transparência e cumprimento de obrigações legais. A princípio, os Estados ou municípios que apresentam alguma irregularidade no Cauc estariam impedidos de receber transferências voluntárias da União – que não se confundem com os repasses obrigatórios, como os do Fundo para a Educação Básica e do Fundo de Participação dos Municípios. A lógica é clara e educativa: para receber dinheiro federal, é preciso estar dentro da lei. A grande maioria das irregularidades constatadas relaciona-se com a falta de transparência. Por exemplo, 3.738 prefeituras não divulgaram o Relatório Resumido da Execução Orçamentária (RREO). Ou seja, quase 70% dos municípios têm falhas básicas na prestação de contas quanto ao uso do dinheiro público. Muitos municípios também encontram dificuldades em incluir os dados no Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro (Siconfi). De acordo com uma pesquisa da CNM, envolvendo 3.607 prefeituras, 40% delas não conseguem preencher corretamente as planilhas do sistema. Evidencia-se, assim, mais uma vez, a fragilidade administrativa dos municípios brasileiros. Há também casos de prefeituras que não estão em dia com o envio de dados fiscais pelo simples fato de não possuírem uma conexão com a internet – o que também é muito revelador da situação de precariedade em que se encontram as administrações municipais. Há ainda outras causas para a situação fiscal irregular de tão grande porcentual dos municípios. A CNM constatou que 2.169 prefeituras não fizeram uma adequada prestação de contas dos tributos e contribuições federais e da dívida ativa, e 2.031 municípios não apresentaram no prazo informações sobre contribuições previdenciárias. A LRF impôs princípios básicos à administração pública – responsabilidade e transparência – por meio de regras concretas a serem cumpridas pelos administradores públicos. Ela estabeleceu obrigações relativas à prestação de contas, limites de despesa com pessoa, níveis máximos de endividamento público, entre outros pontos. A LRF também definiu parâmetros para a busca do equilíbrio fiscal, de modo a assegurar a continuidade dos serviços públicos ao longo do tempo, entre as sucessivas gestões. Se ainda se constata uma enorme distância entre a lei – o que deve ser feito – e a prática – o que fazem os municípios com o dinheiro público –, é importante que ela seja diminuída pelo aprimoramento das práticas públicas, e não com o afrouxamento da lei. No âmbito municipal, a LRF deve também levar a uma séria reflexão sobre a capacidade das prefeituras, para evitar a criação de municípios que não se mostram minimamente viáveis. Criar estruturas administrativas sem capacidade de operação – seja por falta de pessoal, seja por escassez material ou técnica – é um contrassenso.