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Não contem com San José

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Por Redação
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Se ainda estão contando com a possibilidade de obter da Corte Interamericana de Direitos Humanos a revisão das penas a que foram condenados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no processo do mensalão, José Dirceu e seus cúmplices podem ir tirando o cavalinho da chuva. Cabe aos tribunais nacionais aplicar sanções penais em última instância. A Corte Interamericana não é feita para a ela se recorrer como se fosse uma instância superior. "Quem manda são as cortes nacionais, e não a Corte Interamericana."Na melhor das hipóteses para os mensaleiros, o tribunal de San José poderia responder à solicitação de uma "opinião consultiva", sem caráter vinculante. Essa é a categórica posição do presidente daquela corte internacional, o peruano Diego Garcia-Sayán, manifestada em entrevista ao jornal Valor (19/2).A possibilidade de recurso à Corte Interamericana de Direitos Humanos é cogitada pelos mensaleiros principalmente para efeito político interno. Tentam minimizar o desgaste da imagem do PT e de seus aliados, fortemente tisnada pelos crimes, comprovados na Ação Penal 470, de compra de apoio parlamentar para o governo Lula. Os dirigentes petistas tendem a tratar com discrição cada vez maior o assunto, procurando evitar manifestações de solidariedade aos mensaleiros e de críticas ao STF em atos oficiais da legenda. Mas a influência do "chefe da quadrilha" José Dirceu dentro do partido é muito grande e ele próprio está longe de se conformar com a condição de condenado e não perde oportunidade para reiterar a disposição de "lutar até o fim".Por sua vez, outro condenado, o deputado Valdemar Costa Neto, um dos donos do PR e notório operador de esquemas de tráfico de influência nos três níveis da administração pública, tomou ele próprio a iniciativa de incumbir um advogado de sondar o caminho até a Corte Interamericana. Uma vez que não seria inteligente tentar desqualificar com argumentos políticos a decisão tomada pela maioria dos ministros do Supremo, a ideia básica de José Dirceu e cúmplices é procurar respaldo no argumento jurídico de que os réus que têm foro privilegiado - como é o caso dos cinco parlamentares condenados - foram prejudicados pelo fato de que, sendo o STF a última instância jurisdicional no Brasil, os cinco foram privados do direito fundamental de recorrer contra uma primeira decisão judicial desfavorável. É o princípio da "dupla jurisdição", consagrado pela Convenção Americana de Direitos Humanos - o "Pacto de San José" - a que o Brasil aderiu em 1998 e cuja salvaguarda é a função primordial da Corte presidida desde 2010 por Garcia-Sayán.O argumento dos mensaleiros é falacioso, pois o direito que os parlamentares - entre outras autoridades - têm de ser julgados apenas pelo Supremo é um privilégio do qual jamais cogitariam de abrir mão, a não ser que tivessem o dom de adivinhar o desfecho dos processos. Pode-se até imaginar a possibilidade de que uma autoridade contemplada com o foro privilegiado a ele renuncie a priori, se entender mais conveniente contar com a "dupla jurisdição". Mas, no caso da Ação Penal 470, só depois de condenados os mensaleiros apresentam-se como vítimas do privilégio que lhes é concedido por um ordenamento jurídico por eles próprios estabelecido. Garcia-Sayán, homem de leis que também foi parlamentar em seu país, não ignora a complexidade e as intenções políticas da questão que os réus condenados cogitam de lançar sobre os ombros da Corte e adverte: "Aqui não se emitem conceitos em abstrato. Resolvem-se casos concretos ou responde-se a solicitações de opinião consultiva. E esse tipo de solicitação não teria um caráter vinculante, a decisão não teria um caráter obrigatório". Garcia-Sayán falou também sobre outras questões relativas ao Brasil que estão sendo discutidas no âmbito da Corte Interamericana, como a Lei da Anistia e suas implicações com o trabalho que vem sendo desenvolvido pela Comissão da Verdade. Mas dedicou especial atenção ao relacionamento da Corte que preside com o STF, a cujo presidente, o ministro Joaquim Barbosa, fez muitos elogios.