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Opinião|Não cresci sozinho

Atualização:

É o que poderia dizer, se tivesse voz, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), o maior do planeta. Não há mérito nisso. Apenas cresceu para atender à demanda. São Paulo tem um quarto de todos os processos em curso por toda a Justiça brasileira, embora não detenha 25% da população da República. Isso representa mais de 25 milhões de processos. Dos quais praticamente a metade é de execuções fiscais. Cobrança da dívida ativa da União - sim, o Judiciário estadual ainda carrega interesses da União em suas costas, sem compensação alguma! -, do próprio Estado e dos municípios. O crescimento não derivou de geração espontânea. Foi a resposta clássica às exigências de maior acesso à Justiça e de maior presteza na outorga da jurisdição. Mais do mesmo: ampliar as estruturas, multiplicar os cargos, criar um equipamento que se tornou gigantesco e necessita de crescente incremento de dinheiro para se poder manter. No longo prazo vislumbra-se um panorama auspicioso para a Justiça brasileira. A digitalização dos processos, o uso intensivo das Tecnologias de Comunicação e Informação (TCIs), a redução dos espaços porque o suporte papel já não será imprescindível, a especialização das funções, a busca de eficiência, racionalidade e objetividade, tudo isso autoriza a presumir que no médio prazo o sistema Justiça venha a adaptar-se à contemporaneidade. O problema é o imediato. Como atender às necessidades de um serviço estatal com mais de 40 mil funcionários, 2.500 magistrados, quase 2 mil unidades judiciais espalhadas pelo território paulista? Compreensível a intenção de manter o quadro de pessoal - o maior patrimônio da Justiça - motivado a produzir mais. Todavia, era preciso prover as concessões de orçamento compatível com os novos impactos financeiros. Os projetos de lei recentes tiveram origem no Tribunal de Justiça. Passaram pelo controle da Comissão de Organização Judiciária, pelo Conselho Superior da Magistratura e pelo Órgão Especial, colegiado encarregado de administrar o sistema da Justiça comum estadual. Mas foram remetidos à Assembleia Legislativa, que os analisou e teria de examinar a real possibilidade de sua implementação. Tanto o adicional de qualificação (AQ) como a gratificação cartorária foram aprovados pelo Parlamento, mas não houve dotação orçamentária suficiente para o integral atendimento da vontade da lei. Lei que foi sancionada pelo governo, sem veto. Tudo a presumir que os meios financeiros viriam sob a praxe da suplementação. Pois é tradição que o orçamento do Judiciário, elaborado de acordo com as necessidades desse Poder, seja mutilado no Planejamento e chegue insuficiente, ano após ano. Os dados analisados pela Secretaria de Orçamento e Finanças do TJSP dão conta de que o orçamento geral do Estado cresceu 97% nos últimos sete anos, enquanto o do tribunal aumentou apenas 54%. A defasagem é evidente. Nos anos anteriores o excesso de arrecadação garantiu o suprimento das carências da Justiça. Neste 2015, com as constantes quedas registradas por uma crise sem precedentes, a situação torna-se mais do que preocupante: é dramática, rumo à tragédia. E é por isso que se chamou a atenção da sociedade civil, conclamando cidadãos bem-sucedidos em suas carreiras e seus nichos de serviço para a missão de repensar o sistema Justiça. A sociedade - que sustenta Judiciário, Ministério Público, Defensoria, procuradorias, polícias e todo o aparato resultante da multiplicação de carreiras jurídicas - tem não só o direito, mas a obrigação de saber que rumo esse sistema vai tomar. Se o modelo continuar a ser este, o de um juiz a cada esquina, o montante do dispêndio só tenderá a alcançar o infinito. Não há limite para a reivindicação de mais cargos, mais estruturas, mais varas, mais comarcas, mais tribunais. Esse repensar é a longo prazo. A urgência atual é não deixar de pagar salários, porque a Justiça é serviço público, prestado por pessoas, para resolver os problemas de convivência humana. Todo o orçamento já é destinado ao pagamento da folha e há muito não existe nele verba reservada a investimentos. A informatização acelerada, caminho irreversível, só se tornou possível mediante a utilização do Fundo Especial de Despesas. Inviável a apropriação desse fundo para pagamento de subsídios ou vencimentos, como se pretendeu fazer, sem prévia consulta ao tribunal e sem análise das drásticas consequências dessa mudança de destino. A pretexto de carrear alguns minguados acréscimos para o Judiciário, alterou-se a lei de custas, mas uma parte da já reduzida participação reservada ao TJSP foi para o Fundo Especial do Ministério Público. Além disso, houve alteração na parcela cabente à Carteira das Serventias Não Oficializadas, parceiros que já não recebem nada do Estado por seu serviço delegado e serão onerados na parcela sensível dos aposentados. Impõe-se encontrar fórmulas que não signifiquem interrupção de um serviço estatal cada vez mais procurado, pesem embora as campanhas para a busca de alternativas ao processo. A cultura brasileira é demandista, fruto de uma formação jurídica anacrônica, incapaz de solucionar problemas senão mediante a invocação de um terceiro, que em nome do Estado-juiz solucionará muitas questões suscetíveis de melhor resposta à mesa do diálogo e do entendimento recíproco. Conclama-se a lucidez a oferecer opções e os três Poderes, igualmente responsáveis pela atual situação, a encontrarem o caminho para que a máquina continue a prestar serviços. Se possível, ainda melhores do que os atualmente prestados. Mas, de qualquer forma, sem a ameaça de interrupção. Pois, como repete o Tribunal de Justiça de São Paulo, "não cresci sozinho! Sou filho de uma série de circunstâncias e da atuação conjunta e conjugada dos três Poderes da República".*José Renato Nalini é presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) 

Opinião por José Renato Nalini