
20 de fevereiro de 2015 | 02h08
Segundo a Secretaria Municipal de Saúde, o "fluxo", como é chamada a cena composta pelos usuários de drogas nas ruas, se concentra atualmente na região formada pela Alameda Cleveland com a Rua Helvétia e imediações. Dele participam em média 300 pessoas por dia, o que representa uma redução de 80% do que existia há cerca de um ano. A segurança melhorou consideravelmente - acrescenta -, com a redução de índices de criminalidade.
E os cadastrados no De Braços Abertos, hoje mais de 450, são acompanhados por equipes de assistência social, saúde, cultura, esporte e lazer da Prefeitura. Além disso, de acordo com as diretrizes do programa que busca promover sua reabilitação, eles recebem remuneração de R$ 15 por dia por serviços de limpeza, participam de atividades de capacitação e recebem três refeições diárias e vagas em hotéis da região.
É no último item, que trata da moradia, que se revela o outro lado do programa, em flagrante contraste com a visão cor-de-rosa apresentada pela Prefeitura. A situação nos sete hotéis que abrigam os viciados é desastrosa. O roubo de tudo que pode servir como moeda de troca por pedras de crack se generalizou - chuveiros, colchões, roupa de cama, fiação elétrica, lâmpadas, fechaduras, batentes de portas e até vasos sanitários. Pertences pessoais dos moradores também não escapam - roupas, relógios, celulares. Nada parece a salvo dos viciados em seu desespero para conseguir droga.
As coisas não param aí. As condições de higiene são péssimas. A reportagem presenciou num dos hotéis o consumo de crack em quarto onde se acumulava uma montanha de lixo. Em outro quarto, onde dormem quatro pessoas, parte do teto cedeu e o reparo ainda não foi feito. Uma beneficiária do programa, que trabalha na limpeza de um dos hotéis, afirma que, dos 34 hóspedes, "a maioria não se dedica, fica na rua e só volta para dormir uma vez por semana". Mas a seu ver o pior é a falta de higiene.
Não são apenas essas condições degradantes dos hotéis que atestam a situação difícil em que se encontra o programa, após um ano de vida. Elas são acompanhadas pelas evidências de que, na maior parte dos casos, o consumo de drogas pelos participantes do programa continua igual ao de antes. O testemunho de um deles, que divide o quarto com outros dois, é eloquente sobre como a engrenagem incentiva o vício: "Não sou mais usuária de crack, mas acabo usando. Fica difícil parar vendo outras pessoas fumando perto de você".
As críticas feitas desde o início ao De Braços Abertos estão se revelando procedentes. A remuneração pelo trabalho de limpeza, iniciativa bem-intencionada para incentivar a recuperação dos dependentes, poderia, ao contrário, facilitar ainda mais o consumo. Isto está acontecendo em muitos casos. A concentração e proximidade dos dependentes nos hotéis também tinha tudo para tornar difícil abandonar o vício. Como tudo indica, isso está igualmente se confirmando.
A Prefeitura considera reajustar o pagamento feito aos hotéis para abrigar os dependentes inscritos no programa. O valor mensal por hóspede passaria de R$ 480 para R$ 500, como forma de compensar os prejuízos causados pelos roubos e para melhorar as condições de higiene e segurança dos hotéis. Isso é tapar o sol com peneira. Mantidas as regras atuais, o mais provável é que tudo se repita.
O que se espera da Prefeitura é que aprenda com a experiência e faça uma profunda reavaliação do programa, com coragem para abandonar diretrizes e conceitos que se revelaram equivocados.
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