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Não foi por falta de aviso

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Por Redação
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O ditado "quem sabe faz, quem não sabe ensina" é cruel com os professores, mas parece aplicar-se à presidente Dilma Rousseff. Ao receber o rei Juan Carlos da Espanha, anteontem, ela receitou uma "ação coordenada e solidária" para a superação da crise que sufoca as economias europeias. No entanto, a sua receita para a contração da economia brasileira - centrada no estímulo ao consumo - revelou-se um equívoco. A reprodução da bem-sucedida fórmula do então presidente Lula contra a contaminação do Brasil pelo colapso do sistema financeiro dos Estados Unidos, a partir da quebra do banco de investimentos Lehman Brothers, em 2008, ignorou o óbvio: a impossibilidade de promover o crescimento duradouro da economia com medidas puramente paliativas.Incentivar o gasto das famílias mediante uma política agressiva de expansão do crédito e de retração das taxas de juros, e ainda recorrendo a incentivos fiscais para reativar as compras de carros, é um pobre substituto para o desatamento dos nós estruturais que bloqueiam o desenvolvimento do sistema produtivo, em particular da indústria, e inibem o investimento privado. A prova está nos acabrunhantes números do desempenho da economia no primeiro semestre: crescimento do PIB próximo da estagnação, com acréscimo de 0,2% em relação aos três meses anteriores e de 0,8% em relação ao mesmo período de 2011. A realidade não só mandou para a proverbial lata de lixo da história a fantasiosa meta original do governo para este ano (4,5%), como também deixou em xeque a expectativa oficial, significativamente mais modesta, de repetir os 2,7% do ano passado.O ministro da Fazenda, Guido Mantega, pode até ficar rouco de tanto repetir que fixar-se naqueles números equivale a "olhar pelo retrovisor", mas parece ignorar que o ritmo da atividade depende em larga medida das expectativas dos agentes econômicos. E elas descem a ladeira. No mesmo dia em que a presidente dizia ao rei como os governos europeus devem lidar com a crise, o Banco Central divulgou o seu mais recente levantamento das projeções de uma centena de instituições financeiras sobre o comportamento da economia no ano. O prognóstico médio caiu de 2,99% para 2,72% (e, pior ainda, de 1,58% para 1,15% no caso da indústria). Mais soturnas são as previsões de empresas de grande porte citadas pelo jornal Valor. Entre essas, fala-se em ominosos 2%, com um décimo de ponto porcentual para cima ou para baixo.É pedir demais ao consumidor brasileiro que reverta essa tendência. Mesmo com nível de emprego em patamar satisfatório, o endividamento familiar é um limite intransponível à capacidade aquisitiva da população, sobre a qual paira já a ameaça da inadimplência.Em maio, o indicador de dívidas não pagas cresceu 4,3% em comparação com o mesmo mês de 2011. É a 15.ª elevação em 16 meses. Some-se a isso a dificuldade do setor produtivo - por falta de inovação e por baixa produtividade, entre outros fatores - de competir com o exterior na oferta de bens à altura das novas exigências do público.A presidente pode dizer o que queira, menos que não foi avisada a tempo. Não é de agora que vozes credenciadas apontam para os pés de barro do monumento emergente brasileiro: a infraestrutura desesperadamente necessitada de modernização, a insuficiência de investimentos e a perversidade do sistema tributário. Para promover a titular da Casa Civil que escolhera para lhe suceder, o presidente Lula fabricou o pretensioso PAC, cujas pífias realizações atestam a cada dia a continuada incompetência gerencial dos dois governos. Tentando superar o problema que ela permitiu que se eternizasse, Dilma convocou na segunda-feira uma reunião de emergência com 9 de seus 39 ministros e outras autoridades. Cobrou deles "um choque de gestão" para acelerar a execução dos projetos prioritários de sua alçada. De março para abril, os investimentos públicos totais caíram 8,5% - já não bastasse que a parte do leão do desembolso estatal corresponda aos subsídios ao programa Minha Casa, Minha Vida.A presidente teve a coragem de enfrentar a barreira dos juros altos e, para isso, mexer na poupança. Tenha agora a força de pôr o governo a trabalhar.