
30 de abril de 2013 | 02h08
A solução da convergência dos contrários que o calejado Napolitano (no Legislativo já lá se vão 60 anos) encontrou para o impasse tem prazo incerto de validade. Mas a bolsa italiana deu um salto de contentamento ao se consumar o acordo neorrealista por ele patrocinado. Era, afinal, a única alternativa viável no peculiar cenário político traçado pelas urnas no final de fevereiro. Das escolhas dos mais de 30 milhões de eleitores que compareceram à votação resultaram dois resultados improváveis - e antagônicos. O primeiro foi o espetacular desempenho do Movimento Cinco Estrelas (M5S) do comediante esquerdista Beppe Grillo. Com denúncias radicais ao sistema político, a começar do compadrio entre os seus beneficiários e da sua complacência diante das mazelas compartilhadas, Grillo concorreu em raia própria, negando-se a participar do costumeiro jogo de alianças eleitorais.
Para surpresa geral e desconforto dos políticos convencionais, o M5S se tornou o partido mais votado da Itália. Com cerca de 25% dos votos, elegeu 109 deputados (em 630) e 54 senadores (em 315). Outro resultado surpreendente, por representar um endosso a tudo o que a campanha de Grillo não se cansou de criticar, foram os 30% de votos colhidos pela coligação Povo da Liberdade (PDL), que permitiram ao seu execrado expoente Sílvio Berlusconi eleger 125 deputados e 117 senadores. Com isso, a favorita coligação Itália Bem Comum, do Partido Democrata (PD) de Pier Luigi Bersani (surgido das cinzas do antigo PCI), grosso modo também com 30%, ficou aquém da maioria absoluta de cadeiras para formar um governo próprio. Como bloco mais votado para a Câmara, ganhou, conforme as regras, os assentos que faltavam para chegar a 55% do total. No Senado, sem esse empurrão, ficou com os 123 obtidos nas urnas.
Pela lógica, para não falar em bom senso, Bersani e Grillo deveriam montar um governo de coalizão. Mas o segundo recusou a mão que o primeiro estendera. Como tantos outros movimentos que se nutrem da aversão aos políticos, o M5S prefere o conforto de ficar na oposição, jogando pedras no sistema, em vez de tentar reconstruí-lo. E a coligação Escolha Cívica, de Monti, com apenas 47 deputados e 19 senadores, não daria para o gasto. Assim, restou ao PD a até então impensável oferta de Berlusconi por uma coabitação para a salvação nacional. Como se observou nesta página, no dia seguinte às eleições, "o vácuo de poder dificilmente será superado sem um entendimento entre Bersani e Berlusconi". Na última semana, Napolitano amarrou o pacto pelo qual o ex-número 2 do PD, Enrico Letta, seria o novo primeiro-ministro. Angelino Alfano, próximo a Berlusconi, vice-premiê e titular do Interior, cuidará da imigração. O PD ficou com nove pastas, o PDL com cinco, Monti com três.
Na escolha de Letta, um economista de 46 anos que começou na Democracia Cristã e foi o mais jovem ministro da Itália, pesou una storia di famiglia: o seu tio Gianni foi colaborador próximo de… Berlusconi. E Letta foi a única figura de destaque no PD que aceitou se aliar ao Cavaliere. "Barrabás ressuscitou", investiu Grillo. "Era o único governo possível", resumiu Napolitano.
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