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Nos EUA, política rebaixada

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Por Redação
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Pela primeira vez na história uma agência de classificação de risco tomou a decisão de rebaixar o governo e a oposição dos Estados Unidos por sua incapacidade política de cuidar dos interesses de longo prazo do país. "De maneira geral, o rebaixamento reflete nossa visão de que a efetividade, a estabilidade e a previsibilidade da formulação de políticas nos Estados Unidos, assim como as instituições políticas, se enfraqueceram, em um momento de desafios fiscais e econômicos, além do que antecipávamos quando atribuímos a perspectiva negativa para o rating em 18 de abril de 2011", informou a Standard & Poor"s (S&P) em nota distribuída nessa segunda-feira. Nem as instituições, portanto, ficaram imunes à avaliação negativa anunciada na sexta-feira, quando o país perdeu a classificação máxima, AAA, e recebeu a nota AA+. Muitos analistas, incluído o ex-presidente do Banco Central (BC) Gustavo Loyola, criticaram a iniciativa da S&P. Loyola, no entanto, foi além da questão econômica e discutiu o ponto mais importante do comunicado da agência - a crise política americana. Apesar dos problemas, argumentou o economista, a democracia funciona e está apenas passando por uma "transição pré-eleitoral". Nos dias anteriores, outros comentários haviam ressaltado o caráter democrático do acordo entre governo e oposição. O presidente Obama, no entanto, se mostra menos complacente em sua avaliação do jogo político. Em rápido pronunciamento, nessa segunda-feira, ele se referiu à longa disputa em torno do déficit público e do endividamento do Tesouro: "Não precisamos de uma agência de classificação para nos dizer que o impasse em Washington nos últimos meses não foi construtivo, para dizer o mínimo". Na mesma fala, o presidente aproveitou a homenagem aos militares mortos no Afeganistão, no fim de semana, para lembrar a importância da ação conjunta e da disposição de pôr as diferenças de lado, em certos momentos, em benefício do país. O secretário do Tesouro, Timothy Geithner, havia criticado tecnicamente a decisão da S&P, atribuindo à agência uma "surpreendente falta de conhecimento da matemática básica do orçamento fiscal dos EUA".O governo havia alertado a agência para um erro em seus cálculos sobre o programa de redução do déficit, mas a decisão de rebaixar a classificação do país foi mantida. O acordo, segundo os classificadores, era insuficiente para garantir o ajuste das contas públicas. Obama tomou um caminho diverso em seu pronunciamento. Em vez de criticar a agência, referiu-se ao rebaixamento como um sinal de alerta: a reclassificação do crédito americano, segundo ele, deve suscitar "um novo senso de urgência" quanto à necessidade de solução dos problemas orçamentários. Aproveitou para defender a extensão do auxílio desemprego e do corte de impostos para assalariados e para tocar mais uma vez na proposta de reforma tributária, isto é, de eliminação dos benefícios para os contribuintes mais poderosos. Em todo o mundo os mercados de ações e de produtos básicos continuaram em baixa, muito mais acelerada a partir do rebaixamento dos Estados Unidos pela S&P. As outras duas maiores agências, a Moody"s e a Fitch, provavelmente evitarão, pelo menos por algum tempo, reclassificar o crédito americano. Diante de um surto de pânico até mais intenso que o da quinta-feira passada, o Banco Central Europeu ampliou suas intervenções, comprou títulos públicos italianos e espanhóis e com isso atenuou as pressões sobre os dois governos. Ministros dos Grupos dos 7 e dos 20 anunciaram a disposição de agir para conter a crise, numa tentativa de reeditar o clima de cooperação de 2008-2009, quando o estouro da bolha financeira abalou a economia mundial. Mas o desafio é diferente, porque o núcleo da crise se deslocou dos bancos e de outras instituições financeiras para os governos altamente endividados. A solução envolve questões políticas muito mais complicadas, como comprovam o impasse americano e a reação até violenta às duras medidas de ajuste anunciadas por vários governos europeus. O jogo agora é outro.