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Nova chance à paz na Colômbia

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Por Redação
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O governo da Colômbia anunciou que estão em curso "conversações exploratórias" para retomar as negociações com a narcoguerrilha marxista Farc, com o objetivo de encerrar o quase meio século de conflito no país. A iniciativa pode ser histórica se, conforme declarou o presidente Juan Manuel Santos, ambas as partes tiverem aprendido com os "erros do passado".Alguns desses erros foram trágicos. Em meados dos anos 80, graças ao acordo de paz do governo de Belisario Betancur (1982-1986), guerrilheiros que depuseram armas entraram na vida política normal. O partido União Patriótica, próximo das Farc, obteve desempenho razoável nas eleições de 1986, e daí em diante mais de 3 mil de seus integrantes foram mortos ou desapareceram. A guerrilha e seus simpatizantes acusaram o governo e os paramilitares pelos crimes, atribuídos oficialmente a chefões do tráfico.No início dos anos 90, enquanto a Colômbia elaborava sua nova Constituição, uma ofensiva das Farc contra os constituintes e a consequente reação do Exército liquidaram o pouco de disposição para negociar que ainda havia na ocasião. Houve reuniões em 1991, na Venezuela, e em 1992, no México, sem nenhum sucesso além da assinatura de compromissos que jamais se concretizariam. A partir de então, as Farc ganharam força graças ao dinheiro obtido com sequestros e com o narcotráfico e exploraram a patente fragilidade do governo, na época chefiado por Ernesto Samper. Na ausência do Estado, quem atacou as Farc foram os paramilitares.A última tentativa de acordo se deu entre 1998 e 2002, sob a presidência de Andrés Pastrana, que se elegeu com a promessa de alcançar a paz. Pastrana cometeu o erro de dar às Farc uma zona desmilitarizada sem que a narcoguerrilha se comprometesse com uma trégua - ao contrário: ela aproveitou para se fortalecer. É por esse motivo que o atual presidente enfatizou que uma das condições para a retomada das negociações é que a presença do Exército seja mantida "em cada centímetro do território nacional", sem nenhuma garantia de cessar-fogo.A iniciativa da atual retomada do diálogo foi das Farc, sob o patrocínio dos governos da Venezuela e de Cuba, que ajudam a sustentar a guerrilha. José Benito Cabrera, aliás "Fabián Ramírez", membro do alto comando das Farc, havia declarado no início do mês que o grupo estava disposto a "acabar com essa guerra", numa negociação "sem ódio, sem vantagens, cedendo, olhando quem tem razão". Naquela ocasião, porém, Cabrera, ele mesmo um veterano de negociações anteriores, deixou claro que o diálogo não será ameno, ao dizer que, "para acabar com a guerra, tem de acabar com as causas que a originaram" - isto é, com o "Estado burguês", como defendem as Farc desde sua fundação, em 1964.Por outro lado, Santos terá dificuldade de convencer os militares sobre a pertinência do diálogo com as Farc, apesar do clima de entusiasmo na Colômbia. O Exército é contrário, por exemplo, a que se anistiem os líderes da guerrilha envolvidos em assassinatos, como provavelmente as Farc exigirão. Um trunfo de Santos é uma lei aprovada em junho que permite oferecer aos guerrilheiros a possibilidade de entrar na vida política - com exceção daqueles que cometeram crimes de guerra ou contra a humanidade.Além dos militares, outra frente de resistência é a linha dura conservadora liderada pelo ex-presidente Alvaro Uribe, um partidário do combate sem tréguas às Farc. Para ele, o presidente Santos - que foi seu ministro da Defesa, responsável pela repressão à guerrilha - está "legitimando a cumplicidade de Hugo Chávez com as Farc" - e o caudilho venezuelano, por sua vez, estaria usando as negociações para pagar esse favor e, de quebra, ganhar brilho para sua campanha de reeleição.É diante dessa atmosfera de tensão que se recomenda prudência antes de comemorar a retomada do diálogo na Colômbia. A nova tentativa será apenas mais uma entre tantas se se repetir o padrão de traições e desconfiança mútua que marca o turbulento histórico das negociações de paz no país.