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Nova rendição à Argentina

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Por Redação
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Celebrada pelas duas partes como um passo para a liberalização do comércio bilateral, a renovação do acordo automotivo entre Brasil e Argentina, com novas vantagens para a indústria argentina, representa mais uma rendição do governo do PT aos interesses e objetivos político-econômicos do governo Kirchner. O Brasil passará a exportar proporcionalmente menos do que exportava.O fato de, depois de tantos anos - o primeiro acordo começou a vigorar em 2001 e deveria durar até 2006 -, os dois países ainda não terem estabelecido o livre-comércio para veículos e seus componentes é mais uma demonstração da fragilidade do Mercosul. Passados 20 anos da assinatura do Protocolo de Ouro Preto, que em tese transformou o bloco em uma união aduaneira - na qual é livre a circulação de mercadorias e serviços entre seus membros, os quais aplicam uma tarifa externa comum a produtos de terceiros países -, o Mercosul não conseguiu nem mesmo tornar mais fluido o comércio dentro do bloco.A constante renovação de um acordo que é por si mesmo a negação da essência de uma união aduaneira é um exemplo perfeito de como, por meio de chantagens econômicas, o governo argentino vem submetendo o brasileiro a seus interesses. Isso vem ocorrendo desde 2003, ano em que o PT e a família Kirchner chegaram ao poder. Numa clara afronta às regras que deveriam vigorar no Mercosul, o governo Kirchner criou diferentes barreiras à entrada de produtos brasileiros no mercado argentino - que, a despeito da truculência de política kirchnerista, continuou a importar, mas de outros países, sobretudo da China.A assinatura, na quarta-feira, do novo acordo automotivo bilateral é uma espécie de coonestação, pelo governo brasileiro, dessa prática danosa aos interesses do País. Basicamente, o acordo, que vigorará a partir de 1.º de julho, estabelece o fator 1,5 para as exportações e importações de automóveis e componentes. Para cada US$ 100 que importar da Argentina, o Brasil poderá exportar US$ 150. O fator anterior, de 1,95, era bem mais favorável ao Brasil.Como concessão, o governo argentino concordou em suspender, durante a vigência do acordo, o sistema de controle de entrada de produtos importados que vem impondo a todos os bens produzidos no exterior, medida que prejudica fortemente todas as exportações brasileiras. Isso quer dizer que o governo Kirchner se comprometeu a não fazer o que, pelos acordos que regem o Mercosul, nunca poderia ter feito. Ressalve-se que deixará de praticar a ilegalidade danosa aos interesses brasileiros apenas pelo tempo de vigência do acordo e apenas para os produtos por ele abrangidos.Ainda assim, o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Mauro Borges, que representou o governo brasileiro nas negociações e na assinatura do acordo, disse ter ficado satisfeito. "O acordo garante que não vai ter qualquer tipo de restrição do comércio bilateral da cadeia produtiva" (isto é, de veículos e componentes), afirmou. Sem coragem ou determinação política para defender com vigor os interesses do País feridos pelo governo Kirchner, o governo brasileiro parece contentar-se com a redução parcial e temporária dessas ilegalidades. Para os setores empresariais fortemente prejudicados por elas, a tolerância do governo brasileiro precisa ter limites.Talvez para tentar dar um certo caráter estrutural a um acordo que na essência deveria vigorar temporariamente para superar um problema conjuntural inesperado, os dois governos agora estão dizendo que o acordo automotivo deverá servir de base para uma política industrial conjunta do Mercosul. A ideia é tão velha quanto a da união aduaneira e, como esta, até agora de total inutilidade. Ambas estão na base do Protocolo de Ouro Preto, de 1994. No documento, fala-se no aprofundamento da "integração produtiva" entre as economias que fazem parte do bloco do Cone Sul. Nada indica que a simples reafirmação dessa ideia seja suficiente para tirá-la do papel, se é que um dia isso seja possível.