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Novo ataque às agências

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Por Redação
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Com a portaria que transfere para um órgão diretamente subordinado ao ministro-chefe da Advocacia-Geral da União (AGU) - a Procuradoria-Geral Federal (PGF) - a competência para defender as decisões das agências reguladoras federais nos tribunais superiores, o governo do PT dá mais um passo no sentido de reduzir o poder dessas agências. Os argumentos de representantes da AGU, de que a portaria se destina a reduzir custos operacionais e apenas regulamenta uma lei em vigor desde 2002, ainda que pudessem ser aceitáveis, não escondem o aspecto político essencial da questão. Desde seu início, em 2003, o governo Lula critica o papel das agências e, na prática, vem procurando esvaziá-las administrativamente, desmoralizá-las politicamente e asfixiá-las financeiramente. A decisão da AGU, que responde ao presidente da República, avança claramente na direção desejada pelo governo. A portaria impede que os procuradores das agências reguladoras e de autarquias federais com funções reguladoras - como o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que vem desempenhando importante papel na preservação da concorrência entre os agentes econômicos - defendam sozinhos as decisões desses órgãos que estejam sendo judicialmente contestadas no Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou no Supremo Tribunal Federal (STF). A defesa caberá agora à PGF. As agências, é importante ressaltar, são órgãos do Estado, criados na década passada para regular e fiscalizar a atuação de empresas prestadoras de serviços públicos privatizados na época. Não são órgãos subordinados ao governo para executar políticas definidas pelo Executivo. Na prática, porém, a portaria dá ao governo o poder de definir a linha de defesa das decisões das agências, moldando essa defesa aos interesses políticos do próprio governo. Trata-se de uma subordinação à orientação da AGU de órgãos que devem ser independentes e autônomos do governo, como destacou ao Estado um integrante de um órgão regulador. Em determinada ação, como observou outro técnico da área de regulação, a decisão de uma agência reguladora que estiver sendo contestada nos tribunais superiores pode ser contrária a interesses políticos ou financeiros do governo e, nesse caso, bastará que a AGU negligencie a defesa para que a decisão seja derrubada pela Justiça. Sem ter interferido diretamente no processo decisório da agência reguladora, o governo terá atendido a seu interesse. Acrescente-se que a portaria sacia parcialmente a sede de poder da AGU, que há dois anos elaborou um anteprojeto que transferia para si o direito de assessorar judicialmente o Brasil em todos os foros internacionais, inclusive a Organização Mundial do Comércio, onde o País - representado pelo Ministério das Relações Exteriores - vem obtendo importantes vitórias legais. Sensatamente, o presidente da República impediu o avanço do anteprojeto. Mas, no caso das agências reguladoras, são muitas as ações e declarações de membros do primeiro escalão do governo, a começar pelo presidente, no sentido de controlar ou reduzir seu poder. Sucessivos cortes de verbas orçamentárias, o contingenciamento de até 75% dos recursos aprovados, o atraso sistemático na escolha dos substitutos dos dirigentes cujo mandato se encerrou - o que impediu por vários meses que algumas agências pudessem tomar decisões - e a escolha por critérios político-partidários de dirigentes que devem ter conhecimento técnico para decidir questões de interesse público estão entre os atos do governo Lula para cercear a ação dos órgãos reguladores. Em junho, o governo decidiu ressuscitar o projeto de lei que reestrutura as agências e reduz seu poder, que tramita no Congresso desde 2004. Numa manobra coordenada pela Casa Civil, o projeto chegou a ser colocado na pré-pauta de votações da Câmara, mas a oposição conseguiu adiar a votação. O artigo mais polêmico do projeto transfere das agências para os ministérios a competência para a concessão de outorgas de serviços, entre os quais o de telefonia. Apesar de combatidas pelo governo do PT, as agências são respeitadas justamente porque têm conseguido exercer com razoável autonomia seu papel de regulação, fiscalização e concessão de outorgas.