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Opinião|'Novo capítulo' entre Brasília e Washington

Atualização:

As relações entre o Brasil e os Estados Unidos lembram o filme Feitiço do Tempo (Groundhog Day), no qual o personagem principal acorda sempre no mesmo dia (o Dia da Marmota). Em 2011, semanas depois da posse de Dilma Rousseff, o presidente Barack Obama fez uma visita a Brasília para tirar o diálogo bilateral do buraco em que caíra após a desastrada tentativa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, meses antes, de mediar um acordo nuclear entre o Irã e a comunidade internacional. Dilma Rousseff retribuiu a gesto de Barack Obama em 2012. Iniciaram-se então os preparativos para uma visita de Estado a Washington no ano seguinte, para elevar a relação a um novo patamar, a qual acabou cancelada após revelações das ações de espionagem da National Security Agency (NSA) no Brasil - uma tolice que custou um contrato de US$ 4,3 bilhões à Boeing. O filme voltou ao começo e os dois governos seguiram exaltando a importância da relação bilateral, sem fazer muito a respeito.

Passados dois anos e superado o mal-estar do episódio da NSA, Dilma retorna aos EUA esta semana para uma visita que, segundo o conselheiro de Segurança da Casa Branca, Ben Rhodes, abrirá “um novo capítulo”. A aposta em Washington é que o colapso da política econômica estatista e da estratégia diplomática petista de distanciamento com relação aos EUA removeu o grande obstáculo para uma aproximação. Isso e os efeitos políticos da recessão e dos escândalos criaram espaço para construir um relacionamento mais produtivo, que dobre o comércio bilateral em dez anos - acredita-se na Casa Branca. São bons indícios o momento escolhido por Dilma para ir aos EUA e a coreografia dos quatro dias que ela passará em Washington, Nova York e São Francisco.

A presidente optou por ir já, depois de declinar oferta de Obama de esperar até 2016, quando seria recebida em visita de Estado, reservada às nações importantes para os EUA. Por que a pressa? O cálculo é que uma calorosa acolhida na Casa Branca, que Dilma terá, ajudará a estancar o descrédito que mina sua autoridade para governar. A presidente parece esperar também que, ao mostrar empenho numa relação mais forte com os EUA, vista como parte da solução para a crise em que o Brasil se meteu em seu primeiro mandato, convencerá os investidores de que o governo fará o necessário para reconquistar a confiança do mercado, evitar a perda do grau de investimento e atrair novos capitais de risco essenciais para a economia voltar a crescer.

Dois terços do roteiro de Dilma nos EUA serão ocupados por conversas reservadas com presidentes de empresas e palestras para executivos. Na Califórnia, ela visitará a Google, terá reunião na Universidade de Stanford com líderes acadêmicos e empreendedores em tecnologias de ponta e terá um encontro na Nasa com o setor aeroespacial. O objetivo é realçar a importância que o governo atribui a uma maior integração da economia brasileira em cadeias produtivas globais de valor. Reforçando a mensagem, a aprovação pelo Congresso americano de legislação que autoriza o Executivo a negociar acordos de liberalização comercial com países do Pacífico e a União Europeia embute uma advertência ao Brasil: abra a economia ou se condene a um isolamento ainda maior. 

Na Casa Branca, as conversas serão sobre comércio e investimentos, segurança e defesa, cooperação regional, ciência e tecnologia. No topo da agenda de Obama está a questão do clima. Trata-se de atrair o Brasil a assumir liderança nos preparativos da Conferência das Partes da Convenção do Clima, em Paris, em dezembro - a COP 21 -, convocada pelas Nações Unidas para produzir um acordo substitutivo ao Protocolo de Kyoto de 1997, com compromissos obrigatórios de redução de emissões de carbono a partir de 2020 para conter o aquecimento da atmosfera em dois graus Celsius. No ano passado o Brasil propôs na COP 20, em Lima, uma fórmula de reduções em círculos concêntricos de países, nos quais eles evoluiriam, do círculo menos exigente dos países pobres para os dos países em desenvolvimento e das nações desenvolvidas. Washington quer que o Brasil, que é recordista de redução de emissões na última década, lidere o processo de construção de uma economia mundial de baixo carbono, anunciando durante a visita metas numéricas mandatórias, como já fizeram a China, os Estados Unidos e a União Europeia, os três maiores emissores. 

Declarações feitas por Dilma na Cúpula das Américas no Panamá, em abril, em defesa da liberdade de manifestação no Brasil e a mobilização no Congresso ante a ofensiva do governo de Caracas contra opositores geraram expectativa de que a presidente usará a visita para reafirmar a importância da democracia e do diálogo nas Américas, facilitados pela histórica decisão de Obama, em dezembro último, de normalizar as relações entre Washington e Havana.

O desejo de maior proximidade será também ilustrado pela assinatura de atos de cooperação em ciência e tecnologia, educação profissionalizante, seguridade social, facilitação de negócios de pequenas empresas e do fluxo de pessoas entre os dois países, bem como pela entrada em vigor de um acordo de 2007 sobre cumprimento de normas tributárias em contas bancárias no exterior (Fatca). A ratificação pelo Congresso brasileiro, na semana passada, de dois acordos, pendentes há quase cinco anos, realçará uma nova disposição à cooperação em temas de segurança e defesa. 

Anúncios e retórica à parte, o teste do sucesso da visita será a efetivação do que for anunciado amanhã em Washington. É o que mostrará se Brasília e Washington seguirão ou não aprisionadas no repetitivo e frustrante enredo dos últimos anos. A grande incógnita é se o drama político que Dilma vive em Brasília permitirá um final feliz.

Paulo Sotero é jornalista e diretor do Brazil Institute do Woodrow Wilson International Center for Scholars

Opinião por Paulo Sotero