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Novos caminhos para os cartões de crédito

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Por Antônio Palocci
3 min de leitura

Nos últimos meses temos acompanhado um importante debate sobre cartões de crédito. Agências do governo, Congresso Nacional, representações do comércio e instituições privadas da área têm apresentado variadas propostas para o futuro do setor. Em geral, há uma preocupação crescente, pelo lado das agências e do Legislativo, no sentido de criar um novo arcabouço de regulação setorial. Por seu lado, a indústria de cartões expõe argumentos contrários ao aumento da regulação, alegando que traria constrangimentos e um impacto negativo para a expansão desse mercado e dos benefícios que vem trazendo para a sociedade. Estamos diante de um debate sobre regulação em que as partes apresentam argumentos concretos e há o risco de uma regulação inadequada resultar em grandes perdas econômicas. Por outro lado, regulação alguma pode contribuir para um desenvolvimento pouco concorrencial no setor, com prejuízos para os usuários. Os benefícios da indústria de cartões de crédito e débito são inegáveis. Basta citar o aumento da formalização dos procedimentos, o aumento da segurança das operações e a redução do custo das transações, pelo uso intensivo da tecnologia da informação. Não são ganhos desprezíveis, se considerarmos que, hoje, há 1,4 milhão de estabelecimentos comerciais usuários de cartão no Brasil. Esses benefícios não atingem apenas grandes cadeias comerciais. Sabemos, por exemplo, que os assaltos a lojistas de pequeno porte são frequentes e que os custos para eles dos cheques devolvidos não são nada desprezíveis. Por essas e outras razões, esse mercado movimentou R$ 375 bilhões em 2008 e tem crescido a uma média anual de 20%, ao mesmo tempo que o uso de cheques caiu 47% nos últimos anos. No campo da formalização, se um grande número de estabelecimentos e de consumidores adere ao uso de cartões, há um claro incentivo à formalização das pequenas atividades comerciais, que têm tendência natural à informalidade. Com isso ganham as finanças públicas, a Previdência Social e o trabalhador, com o aumento da formalização do trabalho. A redução de custos de transação também é importante, na medida em que a circulação da moeda e dos cheques supõe custos muito mais elevados do que as operações eletrônicas. Mas por que, então, alterar a regulação do setor? O fato é que há uma enorme reclamação do setor comercial quanto à distribuição desigual dos ganhos da atividade, em desfavor do comerciante. As críticas concentram-se em dois pontos principais: o não-compartilhamento dos terminais (POSs), exigindo que o comerciante pague aluguel de máquinas de diferentes bandeiras, e as altas taxas cobradas pelas operações de compra. Uma rápida avaliação dos números dá algum amparo às queixas dos comerciantes. Em particular, quando se trata de cartão de débito, que substitui o cheque e geralmente não envolve risco de crédito do consumidor. Assim, algo precisa e deve ser feito. Mas os problemas começam quando se discutem as melhores maneiras de enfrentar a questão. O debate sobre o tema no Congresso abrange um conjunto amplo de proposições, que vão do compartilhamento obrigatório dos terminais ao fim da verticalização das empresas de credenciamento, passando pela permissão do desconto no pagamento à vista, inclusão das empresas de credenciamento e das bandeiras no estatuto de instituições financeiras, limitação das taxas cobradas dos comerciantes e outras tantas ideias. O risco maior é, ao agir de boa-fé no aumento da regulação, estarmos, de fato, cortando as pernas de uma indústria em pleno crescimento e com efeitos amplamente positivos sobre a economia. Por exemplo, se a lei obrigar o compartilhamento dos terminais imediatamente, o mercado de cartões vai simplesmente parar, até conseguir se adaptar à legislação. Entretanto, a medida é necessária e deve ser tomada. No caso, basta prever um prazo para a adaptação, que, quando efetivada, proporcionará uma redução de custos para os lojistas. Mas medidas direcionadas à redução das taxas parecem mais complexas. Se as taxas são percebidas como altas, talvez o que falte nesse mercado não seja limitá-las diretamente, mas permitir que a boa e velha concorrência o faça. Medidas de defesa de maior concorrência no setor, inclusive com a entrada de novos atores, serão bem mais eficazes do que o tabelamento de taxas, o questionamento da verticalização das empresas ou seu enquadramento como instituições financeiras. Atualmente, os contratos das credenciadoras com suas respectivas bandeiras preveem exclusividade no uso da bandeira. Além disso, algumas bandeiras se limitam a apenas um credenciador no mesmo mercado. Uma regra que proíba essa dupla exclusividade parece ser um caminho simples, direto e certeiro em relação a muitos dos problemas apontados. Com ela, um número maior de credenciadores, oferecendo diferentes bandeiras, com máquinas compartilhadas e sistemas interligados, poderá levar à queda nas taxas cobradas atualmente. Já uma regulação excessiva poderá significar apenas aumento de custos de operação, com diminuição dos serviços e mesmo uma elevação dos custos ao usuário. Agindo com base na vasta experiência e competência do País em automação bancária e no que há de melhor nos ensinamentos econômicos, podemos chegar a uma regulação equilibrada. E parece que, ao longo do tempo, nada apareceu no sistema econômico que substitua a velha e boa concorrência para a defesa efetiva do consumidor e do próprio lojista - que, no caso, também é consumidor do produto. Antônio Palocci, deputado federal (PT-SP), foi ministro da Fazenda