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O amanhã de Lula, Serra e Marina

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Por Gaudêncio Torquato
4 min de leitura

A pergunta passa a frequentar a mesa política: o que farão, sem mandato, Luiz Inácio Lula da Silva, José Serra e Marina Silva? Os cenários desenhados pela resposta, por mais coloridos que sejam, deixam espaços em branco, porquanto entre os fatores que ajudam a tornar viáveis metas na arena política há aqueles que passam ao largo da vontade das pessoas. São os fatores imponderáveis que decorrem de circunstâncias temporais. O ciclo de vida de um ator político decorre, em primeiro lugar, dos vetores de força que o sustentam, entre os quais a motivação, a história, o domínio sobre a situação e o controle exercido sobre outros atores. Quanto à motivação, Lula, Serra e Marina dão mostras de que não pretendem abandonar tão cedo a competição. Dispõe cada qual de capital acumulado para gastar em futuros empreendimentos. O presidente da República sai da liça como responsável direto pela vitória de sua candidata; o ex-governador paulista brande o argumento de que, apesar da derrota, sua candidatura propiciou a eleição de oito governadores tucanos e dois do DEM, cuja administração abrigará 52% da população e mais de 50% do produto interno bruto (PIB) nacional. Já Marina, com quase 20% dos votos válidos, levanta o troféu da força moral, sendo este, por si, patrimônio suficiente para abrir frestas nas portas do amanhã.O presidente que dá adeus reúne condição excepcional para alargar os horizontes. Governante dos mais admirados da História brasileira, com prestígio comparável ao de Getúlio Vargas e agora arquiteto da vitória de Dilma, esse último exemplar carismático estabeleceu simbiose tão intensa com o poder que não se imagina longe dele por muito tempo. Com 84% de aprovação, Lula dispõe de densa camada de gordura para queimar no caldeirão político. Intuitivo e perspicaz, afasta-se da pupila, num primeiro momento, para que ela desenvolva sua própria identidade. Um dos maiores desafios de um governante é fixar a marca pessoal, a maneira própria de comando, diferencial indispensável para angariar credibilidade. O "paizão" se esmerará na cautela, seja para não ofuscar os espaços da nova governante - e ser queimado pelo flash midiático -, seja para ela se sentir à vontade no exercício da autoridade. Mas prezará ser solicitado para emprestar seus saberes nos campos da política, da administração e da malícia, dando conselhos, sugerindo, orientando ajustes. E não se espere o desfecho, por alguns apregoado, da "criatura voltando-se contra o criador", no figurino Fleury contra Quércia ou Pitta contra Maluf. E a razão é a morfologia partidária: o PT, mais que uma sigla, é uma religião. Impõe dogmas. Voltar-se contra o Senhor dos Senhores seria a maior traição ao partido. Um suicídio.Diferentemente de Fernando Henrique Cardoso, que encerrou o ciclo da representação popular por achar concluída a sua missão, Lula não se vê fora da política. E mais, da política militante, que exerce com desenvoltura desde os tempos do sindicalismo. Seu hábitat é o palanque, sua voz é a corneta de mobilização e seu prazer é o convívio com a massa, de onde extrai a vitamina que oxigena seu espírito. Não conseguirá viver longe de plateias. Correrá o mundo, a partir do continente africano, e, como caixeiro-viajante, vai "vender" os programas sociais que implantou. Sua fama abrirá portões. Se quiser, poderá comandar ações internacionais nas frentes sociais e de solidariedade. Mas seu foco continuarão a ser os fundões do País, onde criou profundas raízes desde os tempos das Caravanas da Cidadania. Por isso não se descartam novas viagens de Lula pelo território nacional, agora sob o argumento de avaliar a seara plantada. E apurar a temperatura social. Nisso é um craque. Entre viagens, aqui e alhures, palestras e encontros, Luiz Inácio disporá de tempo para reorientar rumos do PT e harmonizar as alas, que vivem em dissensão. O terceiro olho - o do meio da testa - contemplará horizontes mais largos. Céu de brigadeiro ou nuvens cinzentas, nas margens de 2014, ajudarão a balizar a decisão de voltar ou não à trilha de Brasília, que tão bem conhece.José Serra, por sua vez, dispõe de um capital que tende a se esvair ao longo do tempo. No curto prazo, os recursos acumulados têm alto poder de compra. Basta anotar que a população se dividiu quase meio a meio, com parcela ponderável adquirindo suas ações. O ex-governador, porém, amarga duas derrotas para a Presidência e, diferentemente de Lula (que também as experimentou), não tem o carisma deste. Nem a proteção do cobertor social costurado pelo lulismo. Teria à disposição daqui a dois anos o amplo espaço da Prefeitura de São Paulo. Seria certamente forte candidato, ancorado no recall da candidatura presidencial. Tal opção, porém, soaria como um passo atrás. O "até logo" com que agradeceu aos eleitores pode ser entendido como "voltarei assim que for possível". Acontece que sua visibilidade de árvore mais alta na floresta tucana faz sombra ao florescimento de novos exemplares. Seu desafio é o de se encaixar no projeto de renovação do PSDB. O partido está a exigir uma reaprendizagem na forma de fazer oposição, tentando chegar às massas, das quais nunca se aproximou.De Marina Silva, que se saiu bem na radiografia eleitoral, espera-se papel de indutora de novos ideários, a partir do engajamento de conjuntos médios formadores de opinião e da mobilização de segmentos jovens. Dispõe ela de boa reserva de carisma, acentuado por sua estética que evoca Gandhi. Sua ação poderá ser amplificada por núcleos da intelligentzia e setores engajados na causa ambiental. Identifica-se, ainda, com a bandeira ética, que se apresenta como símbolo da louvação nacional. A acriana terá sempre boa acolhida nos palcos das grandes metrópoles e, caso mantenha a visibilidade, poderá credenciar-se como contraponto aos valores da velha política.Lula, Serra e Marina, todos de origem modesta, terão um novo encontro marcado com o poder. Se faltarem ao compromisso, será por circunstâncias maiores que a sua vontade.JORNALISTA, É PROFESSOR TITULAR DA USP E CONSULTOR POLÍTICO E DE COMUNICAÇÃO