Imagem ex-librisOpinião do Estadão

O atestado de culpa do PT

Exclusivo para assinantes
Por Redação
3 min de leitura

Informado de que não deveria aparecer na casa petista enquanto os vizinhos estivessem olhando - ou seja, não antes de consumada a sucessão de 2010, para não reavivar na memória do eleitorado o vexame do mensalão, de que ele foi protagonista central -, o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, processado por corrupção ativa e formação de quadrilha, tomou uma decisão dolorosa. No fim da semana passada, ele desistiu de pedir a reintegração no partido que o expulsara em 2005, numa tentativa de persuadir a opinião pública de que a compra sistemática de apoios ao presidente Lula no Congresso Nacional foi apenas um "erro" cometido por uma minoria de companheiros que se desgarraram da proclamada ética da legenda. Mas, ao se render aos fatos - a começar do veto de Lula à pretendida anistia, por "inoportuna" -, Delúbio protagonizou o seu melhor momento. A léguas de distância da imagem ronceira que exibiu quando contou à CPI do Mensalão que dinheiro do publicitário Marcos Valério serviu para pagar despesas da campanha de Lula em 2002, o rejeitado militante fez um discurso memorável ao Diretório Nacional do partido com o qual se vangloria de ter uma identidade inquebrantável. Ele de fato se mostrou um petista de corpo inteiro. "Começaria tudo outra vez, se preciso fosse", assegurou com uma franqueza inoportuna, diria Lula. Rigorosamente fiel à interpretação lulista do ilícito conexo com o crime continuado do suborno de deputados federais - o caixa 2, disse o presidente numa famosa entrevista em Paris, é algo feito sistematicamente pelos políticos -, Delúbio perguntou à companheirada: "Do que me acusam? Quantos são os políticos brasileiros que realizaram campanhas eleitorais sem que alguma soma, por menor que fosse, não tenha sido contabilizada?" Foi aplaudido. A essa altura, nem a companheirada que o ouvia, muito menos ele próprio, se lembraria dos velhos tempos em que o petismo desfilava perante o País a sua pretensa singularidade ética, o seu repúdio cabal a todas as formas de corrupção política. Ainda assim, ouvidos sensíveis hão de ter registrado com desconforto outra afirmação, mais contundente, do ex-apparatchik que compartilha com Lula a duvidosa distinção de ter dado um novo significado à palavra pragmatismo no léxico político da esquerda nacional. Passando ao partido um atestado de culpa que evoca as palavras do procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, sobre a "sofisticada organização criminosa" que produziu o mensalão para se perpetuar no poder, Delúbio abriu o jogo. "Não fui um alegre, um néscio, um ingênuo", afirmou, com endereço certo. "Aceitei os riscos da luta. Mas não fui se não, em todos os instantes, sem exceção, fiel cumpridor das tarefas que me destinou o PT." A mensagem faz lembrar também o que dizia o ex-ministro José Dirceu, apontado pelo procurador-geral como "chefe do organograma delituoso" do mensalão. Ele assegurava que nada fazia à revelia do presidente Lula e tudo o que fazia era por orientação do chefe. Outro atestado o PT passou a si próprio. A legenda bateu a porta na cara do seu denodado cumpridor de tarefas não por entender que ele, depois do que fez, não merece reaver a carteirinha de que foi despojado, mas pelo mais crasso oportunismo. Impedido de romper de vez com o parceiro do publicitário Marcos Valério e não ousando anular a sua expulsão, o partido o fez saber que agora não era a hora de pleitear a readmissão (para o ex-tesoureiro poder se candidatar a deputado federal). Já em 2011, tudo bem. Em matéria de oportunismo, porém, o PT é um aprendiz perto do seu líder máximo. O que ele anda fazendo para conseguir que o PMDB feche com a candidatura Dilma Rousseff é um espetáculo constrangedor de desdém por seu próprio partido. Ciente de que o PT de há muito se tornou o maleável instrumento de seus interesses, o presidente o manipula como bem entende. Impôs-lhe uma candidata sem tradição partidária e agora ordena que faça o que for preciso nos Estados para abrir caminho às ambições regionais do PMDB. Como interlocutor, Michel Temer, o presidente peemedebista, é incomparavelmente mais importante para Lula do que o petista Ricardo Berzoini, por exemplo. Mas, depois de tudo o que fez, despudoradamente, para se agarrar ao poder, que moral teria agora o PT para se queixar?