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O atraso é do governo

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Por Redação
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Na terça-feira, numa daquelas suas manifestações por quilo, em que fala de tudo um pouco, o presidente Lula comentou o desempenho da administração federal. Tentava defender-se das críticas de que o governo gasta muito com uma estrutura administrativa que só consegue gastar uma fração dos investimentos programados. As críticas procedem. No primeiro trimestre, as despesas da União com pessoal aumentaram 27% em relação ao mesmo período de 2008, enquanto os investimentos aumentaram menos de 12%. Além disso, até março, o governo só gastou 0,7% da parte que lhe cabe no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) este ano. Para Lula, a máquina não só não é cara, mas é "extraordinária". Se as coisas não acontecem, a culpa é do excesso de controles. "Criamos muitos obstáculos", argumentou, citando a exigência do licenciamento ambiental. Lula fala como se estivesse diante de uma dificuldade insuspeitada. E só agora, há 6 anos, 3 meses e 15 dias no poder, baixou medida provisória dispensando do licenciamento os trabalhos de recuperação de estradas já existentes. É nisso que vai o grosso do gasto do PAC com transporte. Por sinal, o dispêndio público efetivo no setor ainda não chegou a 10% do total orçado para o ano. O erro crasso do presidente está em imaginar que "governo existe para tomar decisões estratégicas, para ser indutor, não gerente" - como se as decisões produzissem por geração espontânea, a tempo e a hora, os efeitos desejados. Em outras palavras, a máquina que ele considera mal remunerada e "muito dura", em que pese a "extraordinária" qualificação dos seus quadros, prescindiria da capacidade gerencial dos seus condutores. Lula falha no diagnóstico do problema e falha mais ainda na solução que diz ter para ele. Na semana passada, quando convocou uma reunião com 9 ministros para extravasar a sua "irritação" com o atraso do PAC, anunciou que fará um périplo pelo País para saber por que o programa não anda. O que ele se recusa a ver é que o atraso é o do seu governo. Isso é que fez da "aceleração do crescimento" uma contradição em termos - em que as ideias de operosidade e progresso embutidas no rótulo são tragadas pela letargia de uma estrutura entregue aos seus próprios vagares. De mais a mais, para o presidente e a sua candidata à sucessão, ministra Dilma Rousseff, a preocupação com a morosidade do PAC é antes de tudo eleitoral. A sigla, afinal, foi uma invenção marqueteira para mostrar que o governo trabalha e para exibir à população uma ministra-presidenciável que faz e acontece. Nem uma coisa nem outra se provaram verdadeiras. E tampouco se provarão, a menos que, correndo contra o relógio, um Lula irreconhecível se ponha a exercer a Presidência, o que evitou fazer desde o primeiro dia. Mas o mero enunciado das viagens de inspeção, na inevitável companhia da "mãe do PAC", é um breve contra o otimismo. Em tempos idos, Lula promovia "caravanas da esperança", dizendo serem a chave do aprendizado dos problemas nacionais. O giro pelas obras é a nova versão dessa modalidade de turismo, com a vantagem de render imagens de um governante em mangas de camisa - "o olho do dono é que engorda o boi". Aliás, quem promoveu o ditado a princípio de filosofia administrativa foi a ministra Dilma, que, apresentada como uma administradora dinâmica e competente, afinal gerencia um programa que funciona em câmara lenta. O PAC está como está, em suma, não porque Lula tenha se descuidado de verificar as suas obras in loco, depois de "inaugurá-las" para que lhe servissem de palanque. Anos a fio de empreguismo, aparelhamento, falta de zelo gerencial e, no limite, indiferença em relação ao desempenho da máquina - eis as causas de um emperramento que só assombra o presidente porque o confronta com a contagem regressiva para 2010. É da natureza das grandes burocracias a tendência de seus membros de empurrar de baixo para cima a responsabilidade por seus erros e omissões. Lula as empurra em sentido contrário. Faltou na sua equipe quem tivesse a coragem de lhe contar que outro presidente, o americano Harry Truman (1945-1953), tinha na sua mesa uma plaquinha em que se lia: The buck stops here. Em português corrente, "é comigo mesmo".