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O aumento da taxa de cegueira

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Por Redação
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Alterações feitas há três anos na política de cirurgias de média complexidade, por determinação do Ministério da Saúde, estão prejudicando os pacientes com problemas oftalmológicos. Uma das mudanças foi a redução em 23% nos mutirões para realização de operações de catarata pelo Sistema Único de Saúde (SUS), entre 2006 e 2008, o que deixou um saldo de 146,6 mil pessoas com cegueira no ano passado. Em 2005, o saldo fora de 67,5 mil. Para as autoridades do setor, as alterações nas cirurgias de média complexidade em oftalmologia resultaram de "uma natural redução da demanda". Os oftalmologistas, contudo, discordam. "Como pode haver redução na procura por operações de catarata se a população envelhece?", pergunta Denise Fornazari de Oliveira, coordenadora dos serviços de oftalmologia do Núcleo de Prevenção da Cegueira da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Pelas estatísticas internacionais, diz ela, a rede pública de um país como o Brasil deveria fazer cerca de 400 mil cirurgias de catarata por ano. "Há um inegável déficit no atendimento público. A tendência natural é de aumento da demanda, pois a população está envelhecendo", afirma Carlos Leite Arieta, que coordena, no Brasil, o Programa 2020, uma iniciativa da Organização Mundial da Saúde (OMS) para acabar com a chamada "cegueira tratável" até esse ano. A redução das operações de catarata foi causada pela necessidade do Ministério da Saúde de se adequar ao corte de verbas orçamentárias. Até 2005, o órgão destinava parte de suas verbas extraordinárias para operações de catarata. Com a suspensão dessas verbas, a partir de 2006, o Ministério cortou os repasses do SUS para esse tipo de cirurgia. Por isso, só o Hospital das Clínicas da Unicamp teve de reduzir de 300 para 150 o número de operações de catarata que realiza por mês. Além de restrições orçamentárias, contribuíram, também, para a queda no número de operações de catarata rivalidades partidárias. Ao justificar as mudanças que impôs na política de cirurgias de média complexidade, em 2006, o então secretário de Assistência à Saúde e atual ministro, José Gomes Temporão, chegou a classificar os mutirões oftalmológicos - uma iniciativa de José Serra em sua passagem pelo Ministério da Saúde, entre 1998 e 2002, no governo FHC - como "populismo sanitário". Para Temporão, os mutirões concebidos por Serra - atual governador de São Paulo e um dos aspirantes a candidato à Presidência da República, pelo PSDB - privilegiavam um número restrito de doenças, não garantiam a redução da fila de espera para as cirurgias e eram de difícil controle administrativo e financeiro. No lugar dos mutirões, Temporão criou a Política Nacional de Procedimentos Eletivos de Média Complexidade, um sistema que contempla 64 cirurgias, em vez das previstas pela política de Serra, que contemplava somente catarata, varizes, próstata e doenças degenerativas da retina. Para que as 64 operações previstas pelo sistema em vigor sejam realizadas, Estados e municípios precisam apresentar projetos específicos ao Ministério da Saúde. As verbas são liberadas para cidades previamente cadastradas e que tenham comprovado a necessidade das cirurgias e a capacidade para realizá-las. Em termos concretos, o governo do presidente Lula ampliou as opções, em matéria de cirurgias de média complexidade, tirando o foco da catarata, mas não forneceu os recursos orçamentários necessários para a implementação do novo sistema. "Uma canetada foi suficiente para provocar um enorme retrocesso na política de combate à cegueira, que inquestionavelmente avançava", diz Newton Kara, professor das Faculdades de Medicina da Unicamp e da USP. "Poderia ter havido um período de transição (entre as duas políticas). Mas, nessas horas, também conta o lado político. E o mutirão era marca registrada do ex-ministro José Serra", afirma Durval Carvalho, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Catarata. Essa é mais uma amostra dos critérios que estão por trás das políticas públicas do governo. E quem sai prejudicada com isso é a sociedade, como mostra o aumento da taxa de cegueira no País.