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Opinião|O Bovespexit?

Atualização:

É um truísmo antigo falar da relevância do mercado de capitais como mecanismo apto para o financiamento do empreendedorismo brasileiro. Entretanto, tal verdade está longe de se materializar. Alguns jogam a culpa na altíssima taxa de juros e outros, no dinheiro subsidiado, patrocinado pelos bancos estatais, ou na ojeriza a ter sócio, etc. Introduzo um novo item que julgo mais importante. E o ponto de partida é entender por que mais companhias não se capitalizam no mercado poupador.

A perplexidade reside na constatação de que, no período de 2005 a 2015, o número de companhias que vieram ao mercado foi menor do que o daquelas que dele saíram. Ou seja, no período pesquisado a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), em termos líquidos, perdeu cerca de 60 companhias.

Por que isso aconteceu? Onde estaria o erro?

A perplexidade é ainda maior quando se constata que existem muitas empresas de médio e grande porte que necessitam de recursos que poderiam ser obtidos no mercado de valores mobiliários, mas isso não é feito. O que há de errado com os nossos mecanismos de mercado, que impede os pequenos negócios de garagem de se transformarem um dia em gigantescas empresas como a Microsoft ou o Google?

Talvez a resposta se encontre em nosso sistema de distribuição e compra de valores mobiliários. Pesquisa em curso desenvolvida pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV Direito SP) mostra que, no universo de 231 ofertas iniciais de ações, 88,3% do valor ofertado se situou numa faixa entre R$ 350 milhões e R$ 1 bilhão. Esse valor, por sabido, de muito ultrapassa a necessidade de recursos de qualquer companhia que não seja macroempresa.

No sentido contrário, apenas cinco ofertas foram menores do que R$ 150 milhões. Desses valores, os investidores institucionais nacionais e estrangeiros e os fundos administrados pelas instituições financeiras ofertantes subscreveram quase 90% dos montantes ofertados. Mais grave ainda, as cinco principais instituições bancárias concentraram a coordenação de 64% das Ofertas Públicas de Ações (OPAs).

A mesma pesquisa mostra que o sistema de distribuição foi distorcido desde o desuso dos agentes autônomos até o sistema bancário de distribuição. As sociedades corretoras e distribuidoras independentes encontram-se em situação precária quanto à capitalização e não exercem a função para a qual foram pensadas pela dupla Octávio Bulhões/Roberto Campos, em 1964.

O que pode ser apontado?

Primeiro, que as instituições do sistema de distribuição se interessam somente por grandes lançamentos de ações. Segundo, que os investidores institucionais só subscrevem grandes lotes de papéis. Terceiro, que as demais companhias que não figuram entre as macroempresas estão excluídas do mercado de bolsa, restando-lhes buscar recursos bancários de elevado custo e/ou a informalidade. Quarto, apenas cinco instituições bancárias concentram as Ofertas Públicas de Ações.

Claro está que para as instituições financeiras ofertantes de ações, bem como para os subscritores institucionais, é mais econômico o atual modelo por causa da economia de custos na realização da oferta, inclusive na realização de diligência prévia (do inglês due diligence). Mas essa política vem causando enormes distorções quanto ao papel que o mercado de valores mobiliários deve desempenhar no desenvolvimento em nossa economia pretensamente de mercado. Distorções essas que vão resultar em perdas, até mesmo para os que hoje estão ganhando dinheiro com o vigente modelo.

Para o setor produtivo significa uma enorme perda em termos de produtividade, na medida em que as empresas que buscam crescer não podem contar com o mercado de valores mobiliários para se capitalizar. Para o setor de distribuição significa que a macrocefalia do setor financeiro – em processo ainda não terminado de conglomeração – impede, intencionalmente ou não, o surgimento de formas alternativas de colocação de novas emissões de papéis de renda variável. Ademais, essas mesmas macroempresas, com o passar do tempo e seu consequente fortalecimento, tendem a migrar para mercados mais líquidos no exterior, dividindo ou abandonando a bolsa local.

Para a bolsa a distorção vem mostrando que o número de companhias saintes é maior do que o número das companhias entrantes, sendo revelador dessa inadequação o pouco sucesso do mercado de acesso para companhias menores, além da pouca profundidade ou liquidez que apresenta nosso mercado secundário. Ou seja, as grandes companhias têm força para alçar voos mais altos em outras plagas e as menores não têm mecanismos de entrada no mercado bursátil.

Essa mesma distorção impede o crescimento dos financiamentos via private equity, na medida em que os investidores não têm o mercado de saída, via mercado secundário. Claro está que surgem novos mecanismos, como os crowdfundings, que buscam caminhos novos, na expectativa de que o organismo estatal criado para regular o mercado de valores mobiliários, via pesada legislação, venha a impossibilitar essa tentativa de inovação.

É preciso que pensemos uma forma inovadora de criar condições para que o setor produtivo nascente do País não seja aniquilado pela macrocefalia financeira ou governamental. Afinal, as instituições distribuidoras, os institucionais e a reguladora têm suas razões de ser na criação de mecanismos de financiamento e crescimento de uma economia de mercado, e não ao contrário.

A mesma pesquisa mostra a mesma distorção – só que em sentido contrário – quando é examinado o mercado de renda fixa. Mas essa é outra história, que fica para uma próxima oportunidade.

*Ary Oswaldo Mattos Filho é professor sênior da FGV Direito SP