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O Brasil e a dança das moedas

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Por Redação
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Com inflação elevada, juros altos e baixo crescimento, o Brasil continua despreparado para acompanhar a dança das moedas, agora acelerada pela decisão do Banco Central Europeu (BCE) de lançar no mercado cerca de 1,1 trilhão até setembro do próximo ano. É dinheiro suficiente para comprar metade da produção anual brasileira de bens e serviços. Além disso, o programa poderá ser estendido pelo tempo necessário para a recuperação europeia. A dimensão do programa surpreendeu os mercados. Ações subiram em todo o mundo, o euro caiu, com a expectativa das novas emissões, e o dólar, no Brasil, deslizou para menos de R$ 2,60, na direção contrária à desejada pelos exportadores."As expectativas funcionam somente quando há uma certa credibilidade", disse o presidente do BCE, Mario Draghi, ao anunciar o plano. "Hoje estamos mostrando que a credibilidade é merecida", acrescentou. A decisão era esperada e tornou-se inadiável quando surgiram sinais de deflação na zona do euro. Com seu novo programa, o BCE reproduz a política de afrouxamento monetário usada com êxito, e já encerrada, pelo Federal Reserve (Fed), nos Estados Unidos, e também pelo Banco da Inglaterra.Nos Estados Unidos, o próximo lance da autoridade monetária deve ser o aumento de juros, porque o investimento produtivo foi retomado, a economia cresce e empregos vêm sendo rapidamente criados pelo setor privado. Para decidir o aumento, no entanto, os dirigentes do Fed levarão em conta o avanço dos preços ao consumidor, por enquanto bem abaixo da meta de 2% ao ano.A previsão de juros mais altos nos EUA já tem afetado o mercado financeiro e tornado mais difícil o acesso ao crédito internacional. O crescimento da maior economia do mundo é boa notícia para a maior parte dos países, mas o caso do Brasil é diferente. O País está menos preparado que outros para aproveitar as oportunidades de comércio abertas pela recuperação americana. Além disso, a valorização do dólar afeta os fluxos de capitais e pressiona os preços de uma economia já assolada pela inflação. De toda forma, os juros muito altos no Brasil tendem a atrair capitais de fora, especialmente para operações especulativas.A recuperação americana e o esforço do BCE para impulsionar a atividade na zona do euro compõem um quadro positivo e justificam otimismo em relação à economia global. Mas os fatos de maior impacto imediato para o Brasil são as mudanças no mercado financeiro.Se a resultante dessas mudanças for o estreitamento do crédito internacional, pelo aumento dos juros americanos, o cenário ficará menos favorável ao País e a depreciação do real poderá realimentar a inflação. O BC agirá para limitar as variações do câmbio e isso neutralizará, em parte, os benefícios comerciais da desvalorização. O Brasil continuará dependente de juros altos tanto para conter a alta de preços quanto para atrair capitais. O aumento da liquidez na zona do euro poderá mitigar os efeitos do aperto monetário nos EUA, mas, de qualquer maneira, o Brasil continuará vulnerável às oscilações no mercado financeiro global.Com inflação bem acima dos padrões internacionais, juros elevados e contas externas em mau estado, o País continuará, por muitos meses, com pouco espaço para manobrar, ajustar-se às mudanças no mercado internacional e aproveitar as novas oportunidades. A ampliação desse espaço dependerá basicamente da arrumação das contas públicas, o primeiro e mais duro desafio da equipe econômica.As mudanças na área fiscal apenas começaram. Se a política for bem conduzida, com rumo definido e de forma confiável, o governo começará a criar condições para uma estabilização menos dependente de juros altos. A política monetária poderá ser talvez afrouxada no próximo ano. Com melhores perspectivas, os empresários tenderão a retomar o investimento e a assumir os riscos necessários à expansão dos negócios. Por enquanto, qualquer alteração nas políticas monetárias das principais potências cria um desafio para um país com pouca liberdade de movimento e de adaptação.