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O Brasil e o jogo chinês

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Por Redação
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O governo brasileiro tem pelo menos três motivos para se preocupar com a nova desvalorização da moeda chinesa, o yuan. Maior parceira comercial do Brasil, a China é também uma importante concorrente no mercado latino-americano de manufaturados. Esse é um dos principais destinos de exportação da indústria nacional. Primeiro motivo: com a moeda depreciada, os industriais chineses poderão vender produtos mais baratos e conquistar mais espaço na América Latina. Poderão também aumentar sua presença no mercado brasileiro. Segundo: se a depreciação iniciada pelo banco central chinês for mais um sinal de enfraquecimento econômico, as vendas brasileiras de produtos básicos poderão ser mais uma vez prejudicadas. Terceiro: se a moeda chinesa arrastar para baixo o real, como ocorreu ontem, o problema da competição comercial será atenuado, mas a pressão do câmbio sobre os preços e custos internos poderá aumentar.

Nenhum analista ocidental pode afirmar com alguma segurança se a queda logo será interrompida e a moeda chinesa se estabilizará, mesmo em patamar mais baixo que o dos últimos dias. Alguns operadores do mercado financeiro chegaram a interpretar o movimento do banco central chinês como início de uma nova guerra cambial. Não há, por enquanto, razões para admitir essa hipótese. Ao mexer no câmbio, as autoridades chinesas podem ter tentado, como entenderam alguns especialistas, dar fôlego comercial a algumas indústrias menos competitivas. Pode ser só isso, mas essa interpretação talvez seja muito otimista.

Em julho, a receita comercial chinesa foi 8,3% menor que a de um ano antes. Em relação à mesma base, as importações diminuíram 8,1% e o problema do enfraquecimento econômico pode ser, portanto, mais sério do que se calculava até há pouco tempo. A redução das vendas brasileiras à China, neste ano, parece confirmar a interpretação mais negativa. Se esse for o entendimento mais correto, será preciso considerar seriamente o risco de novas depreciações.

O ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Armando Monteiro, mostrou pouca preocupação quanto à tendência do câmbio chinês. Admitiu o risco de maior pressão competitiva contra o Brasil na América do Sul, mas também é preciso levar em conta, argumentou, a depreciação do real – um realinhamento “próximo de 50% em 12 meses”. Quanto ao comércio com a China, pouco ou nenhum problema, segundo ele. Commodities constituem a maior parte da exportação para o mercado chinês, lembrou o ministro. Nessa área, observou, a competitividade brasileira é indiscutível.

O ministro deixou de lado, no entanto, pelo menos dois detalhes importantes. Primeiro, as exportações brasileiras continuaram em queda, neste ano, apesar da depreciação do real. As de produtos básicos podem ter sido afetadas pela queda dos preços internacionais e pelo menor dinamismo chinês, mas o real mais barato, em outros tempos, teria favorecido as vendas de manufaturados. O pior desempenho no comércio exterior tem sido precisamente o dos vendedores dessa categoria de produtos. Qualquer problema adicional de competitividade justifica, portanto, preocupação. Segundo, qualquer sinal de enfraquecimento econômico da China pode cortar bilhões de dólares da receita obtida com os básicos. Ele chama a atenção, no entanto, para o problema da inflação. O seguido aumento de preços, lembrou o ministro, tende a anular qualquer ganho de competitividade proporcionado pela depreciação do real.

Ele está correto. Não há ganho seguro quando a desvalorização da moeda resulta em aumento de custos. O ministro ainda poderia acrescentar: nenhum país com uma inflação tão alta quanto a brasileira tem condições de sustentar, mesmo por tempo limitado, uma guerra cambial. Muitos empresários parecem desconhecer esse fato. Vivem pedindo câmbio mais desvalorizado e ao mesmo tempo são contra o combate à inflação.