Imagem ex-librisOpinião do Estadão

O Brasil e os direitos humanos

Exclusivo para assinantes
Por Redação
2 min de leitura

O Brasil acaba de ser condenado na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, num caso que envolve a repressão a movimentos sociais por meios ilegais, como escutas telefônicas não autorizadas judicialmente. Criada em 1953, sediada em Washington e formada por 7 juristas escolhidos pela Assembleia-Geral da OEA por seu mérito pessoal, e não como representantes de governos, a Comissão atua como primeira instância da Corte Interamericana de Justiça, com sede em San José, na Costa Rica. Os dois órgãos integram o Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos. A primeira condenação sofrida pelo Brasil na Comissão ocorreu há dez anos e envolveu a morte de um deficiente mental numa clínica psiquiátrica no Nordeste. Quando há denúncias de tortura, falta de empenho policial na investigação de crimes, maus-tratos no sistema carcerário e violência contra crianças e mulheres, a Comissão primeiro determina medidas cautelares. Caso elas não sejam tomadas, o país pode ser condenado. Além da sanção simbólica, que compromete a imagem desse país no cenário internacional, há severas sanções econômicas previstas por tratados e pactos de direitos humanos. Organismos multilaterais, como o Banco Mundial e o BID, por exemplo, estão proibidos de conceder ajuda financeira a países que ultrapassarem um determinado limite de condenações em matéria de desrespeito aos direitos humanos. Nos últimos dez anos, o Brasil foi objeto de 507 denúncias de violação do chamado "Pacto San José", firmado em 1969 e ratificado pelo País em 1992. Desse total, 29 denúncias foram acolhidas para análise pela Comissão. Só em um desses casos o Brasil sofreu nove medidas cautelares, uma das quais resultou no fechamento, em 2007, da unidade que a antiga Febem mantinha no bairro do Tatuapé. As demais exigiam providências imediatas para o descongestionamento do sistema prisional. Outra medida cautelar imposta pela Comissão acabou levando o Congresso a aprovar, há quatro anos, a "Lei Maria da Penha", que estabelece severas punições para quem comete violência contra a mulher. No balanço das recomendações, os governos brasileiros acabaram fazendo quase tudo o que foi pedido pela Comissão. Em apenas três casos as recomendações foram acatadas parcialmente, segundo a Comissão, e em somente um, envolvendo um garoto de 13 anos que teria sido executado pela Polícia Militar numa favela carioca, o Brasil ainda não tomou as providências que foram solicitadas. O balanço da Comissão também revela que o número de denúncias apresentadas contra o Brasil nos órgãos da OEA vem aumentando significativamente. Hoje, há 108 petições protocoladas por casos de assassinato, prisões degradantes e crimes contra a infância e a adolescência. Em grande parte, isso se deve à atuação de alguns movimentos sociais que profissionalizaram sua atuação. Além de investir na formação de redes de atores não-estatais no continente, de estudar exaustivamente as legislações nacionais e internacionais em matéria de direitos humanos e de contratar advogados especializados, eles desenvolveram o conceito de "litígio estratégico ou paradigmático". A ideia é concentrar a atenção em casos exemplares e com grande impacto social, dando-lhes o máximo possível de visibilidade política, com o objetivo de obter "precedentes" no Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos. O passo seguinte é pressionar os tribunais nacionais a acolher esses precedentes e os governos a adotar novas políticas sociais. Em outras palavras, o "litígio estratégico ou paradigmático" envolve a prática de uma advocacia mais engenhosa, que vai além do simples denuncismo, por parte dos movimentos sociais. Essa estratégia deu certo na Colômbia, Chile e Peru, países cujas Cortes superiores converteram em jurisprudência vários precedentes abertos na Comissão e na Corte Interamericana dos Direitos Humanos. No Brasil, isso só agora está começando - e o aumento do número de denúncias é apenas o primeiro passo de um processo que tem por finalidade criar fatos políticos externos para convertê-los em pressão política interna, para induzir governos e tribunais a dar mais atenção aos direitos humanos.