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Opinião|O Brasil na presidência do Mercosul

Atualização:

Com o comércio e o investimento entre os países-membros do Mercosul em queda livre, a Argentina presidiu na semana passada a última reunião do Conselho do Mercosul em 2014. O fato mais importante da reunião foi o anúncio do restabelecimento das relações diplomáticas entre os EUA e Cuba... Como era de esperar, poucos temas relevantes foram tratados, sem nenhuma decisão: a continuidade do fundo para projetos de infraestrutura (Focem), a agenda de negociação comercial para 2015 e a revisão da tarifa externa comum em várias áreas, além das propostas de aprofundamento dos acordos comerciais e de serviços com os países da Aliança para o Pacífico. A Argentina trouxe novamente a discussão política dos fundos abutres e a reestruturação da dívida soberana. A Venezuela manteve a estridência contra o imperialismo dos EUA, mas elogiou Barack Obama pelo reatamento com Cuba. O Brasil, em meio a dificuldades econômicas e políticas, assumirá a presidência do grupo a partir de 1.º de janeiro. A realidade é que o Mercosul continua paralisado e sem qualquer estratégia. Os objetivos de liberalização do comércio e de abertura de mercados foram abandonados e o grupo sub-regional transformou-se apenas num fórum político e social. Politizado pela ação do Brasil, da Argentina e da Venezuela, o bloco está em situação de quase total isolamento. O processo de adesão da Bolívia está paralisado no Brasil e no Paraguai. E o novo governo uruguaio fala em reconsiderar a relação com o Mercosul para possibilitar aos pequenos países negociarem acordos com países de fora da região. É importante ter claro o que está ocorrendo com o grupo regional. O intercâmbio comercial cresceu nos últimos anos independentemente do que vinha ocorrendo no Mercosul. O dinamismo do comércio se deveu à iniciativa privada. Agora, o que se nota é o declínio econômico e comercial do grupo. O Mercosul não está contribuindo para aumentar o intercâmbio comercial entre os países-membros porque os mecanismos existentes não estão funcionando e porque os países não estão engajados em nenhuma negociação comercial relevante. O único acordo concluído nos últimos 12 anos e que está em vigor é o de Israel. Os acordos com o Egito e com a Autoridade Palestina aguardam a ratificação dos respectivos Congressos. A presidência brasileira do Mercosul poderia abrir oportunidade para o governo Dilma apresentar uma agenda mais propositiva para os próximos seis meses, inclusive sobre o futuro do Mercosul. Se houvesse disposição política, não faltariam na área comercial questões importantes para serem discutidas na presidência brasileira. Entre elas, as medidas restritivas crescentes ilegais da Argentina (agora também afetando o livre trânsito na Hidrovia Paraná-Paraguai e prejudicando o escoamento de produtos brasileiros); o funcionamento dos órgãos do Mercosul visando ao aperfeiçoamento dos mecanismos de liberalização do comércio; e uma agenda de negociações comerciais que vá além da América do Sul, mas não se limite apenas ao Líbano, à Tunísia e à União Euroasiática de Nações, o que, convenhamos, é muito pouco do ponto de vista do Brasil. Nada disso deverá acontecer pela inação da política externa e comercial do governo brasileiro, apesar de referências nesse sentido feitas pela presidente Dilma Rousseff. O único entendimento importante em curso é a negociação do grupo com a União Europeia. Representantes do Mercosul e da União Europeia analisaram no início de dezembro a situação atual do processo de negociação do acordo de livre-comércio. Segundo se noticiou, não foi possível estabelecer uma data para a troca de propostas porque "a Comissão Europeia ainda não concluiu o processo de consulta com os países-membros para harmonizar sua proposta". A troca de ideias entre os dois times de negociadores ocorreu em videoconferência em que o Mercosul insistiu em ter "uma proposta ambiciosa e equilibrada que incluiria bens, serviços, investimentos e compras governamentais", segundo informações do Ministério do Exterior argentino. Por outro lado, a Comissão Europeia teria pedido informações sobre a estrutura da proposta do Mercosul. Se as negociações com a Comissão Europeia não avançarem por dificuldades criadas por nossos parceiros do Mercosul, não restará alternativa ao Brasil senão fazer um acordo com a União Europeia, com os outros parceiros que quiserem, a fim de resguardar nossos interesses. O Brasil deveria influir para que algumas regras do bloco fossem flexibilizadas no sentido de facilitar as negociações comerciais com a Europa e com países que possam ampliar o mercado para as exportações do grupo e permitir acesso a tecnologias e inovações para as empresas dos países-membros. Do jeito que está hoje, o Mercosul caminha para se tornar irrelevante (menos de 10%) no contexto do comércio exterior brasileiro. Com a dificuldade de avançar a integração comercial - em 2014 o volume do intercâmbio dentro do bloco continuará a cair (queda de 13%) -, o Brasil deveria dar prioridade à integração física na América do Sul e acelerar as obras de infraestrutura para abrir corredores para nossas exportações para o mercado asiático e para aproximar as economias da região. O futuro ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Armando Monteiro, manifestou seu interesse em ampliar os acordos comerciais e concluir de forma satisfatória o acordo com a União Europeia. É um primeiro passo positivo. Esperemos que nos próximos seis meses o governo possa mover-se nessa direção e, no âmbito do Mercosul, possa convencer nossos parceiros a promover as mudanças necessárias de modo a que o Brasil não continue prejudicado pela paralisia do grupo.* É presidente do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp

Opinião por Rubens Barbosa