Foto do(a) page

Conheça o Espaço Aberto na editoria de Opinião do Estadão. Veja análises e artigos de opinião em colunas escritas por convidados e publicadas pelo Estadão.

Opinião|O Brasil pós-crise exige ética do amanhã

O voto deve contribuir para a melhoria do bem comum do povo brasileiro

Atualização:

Às vésperas das eleições que significarão a passagem do bastão de liderança nos Legislativos e Executivos federal e estaduais, urge concentrar esforços que ultrapassem divergências ideológicas para tornar viáveis avanços de comportamento político e privado, inspirados em sólidos princípios de ética pública e empresarial.

O mundo vem passando por profundas transformações econômicas, sociais, culturais e tecnológicas, que têm causado incertezas e desconfiança. Mas há também enormes oportunidades e persistentes desafios. O globo avança em direção à sociedade do conhecimento, à economia de baixo carbono e à modernização de obsoletos quadros institucionais. É momento de lembrar San Tiago: “Nenhum projeto nacional é válido, nenhuma política interna é autossustentável, se não lograr inserir o País no rumo histórico do seu tempo e superpor, harmonicamente, o nacional e o universal”.

Urge, pois, abrir o Brasil ao mundo, atualizar mentalidades, tornar clara a gravidade da situação e a extensão das oportunidades, discernindo, com coragem, os desafios a enfrentar. Há que resgatar a verdade, tornando-nos seus “pacientes ouvidores”. 

A História nos lega preciosos ensinamentos, mas “não nos obriga”. Há que despojar-nos de ideias anacrônicas: patrimonialismo ibérico, intervencionismo arbitrário, anticapitalismo infantil. O presente exige respeito à verdade, frágil vítima de todas as crises. Qualquer projeto nacional exige que a ética do futuro substitua fúteis nostalgias e ressentimentos estéreis. 

Temos de desenhar visões do amanhã para o País que queremos e buscar o fio condutor, a “ideia clara da obra a realizar”. Há que vertebrar propostas convergentes a objetivos compartilhados, sem tolerar retrocessos incoerentes e ações descomprometidas.

Primeiro passo será avançar no ajuste fiscal, condição inarredável da estabilidade econômica e do ambiente de negócios positivo que assegure sustentabilidade à retomada do crescimento, à geração de empregos e à modernização das combalidas infraestruturas física e humana. Produtividade e competitividade o exigem. É essencial tornar viáveis reformas estruturantes, a previdenciária e a tributária, por exemplo, para acompanhar mutações na demografia e no mundo do trabalho. Impõe-se revitalização da economia, do processo político, da educação, cultura, ciência e tecnologia, dos sistemas de saúde, saneamento e segurança.

Não me é possível esmiuçar reformas aqui. Limito-me a enfatizar que são indispensáveis para afastar o risco de um neo-subdesenvolvimento ancorado no pântano de mediocridade doméstica e irrelevância internacional, riscos mais prováveis do que o caos, propalado pelos que optam por espalhar o medo. A discussão da reforma da Previdência tem revelado acanhamento intelectual, tanto de seus proponentes quanto de seus críticos. Ambos se têm digladiado principalmente em torno de dois pontos: o déficit financeiro e a idade de aposentadoria. Embora importantes, eles não são os únicos problemas a ser enfrentados nem resumem os aspectos que, se resolvidos, tornariam a reforma solução satisfatória. 

Reforma previdenciária é processo incremental que tem de levar em conta as circunstâncias de cada momento percorrido e promover mudança significativa num sistema que se tornou irremediavelmente obsoleto e escandalosamente injusto: injustiça distributiva, na absurda relação de 10 a 1 entre benefícios oferecidos pelos sistemas previdenciários público e privado, assim como injustiça comutativa entre contribuições e benefícios. E, finalmente, gritante injustiça intergeracional, com a infância e as gerações a vir, que, silentes, não podem vocalizar suas enormes preocupações quanto ao pesado legado que herdarão caso as reformas corretivas não se materializem a tempo.

O conjunto de reformas terá de inspirar-se em ética do futuro, baseada em valores compartilhados de um Brasil que queremos para nossos filhos e netos. Haverá que privilegiar, por exemplo, o ensino desde a primeira idade e que deverá estender-se às etapas educacionais seguintes até a técnica e a universitária, incluindo cada vez mais a educação permanente por toda a vida, visando à reciclagem periódica imposta pela indústria 4.0, a inteligência artificial e os progressos técnico-científicos em curso.

Os que comungam a ética voltada para o amanhã não se sujeitam às demandas dos grupos que capturam políticas públicas, pondo-as a serviço de interesses especiais. Há que pensar nas gerações vindouras, num Brasil inserido de forma soberana e competitiva na realidade global, que, apesar de tensões e volatilidade, continua avançando em direção a um novo ciclo. Políticas públicas têm de levar em conta consequências futuras das decisões de hoje, obedecer à ética da responsabilidade. Há que evitar soluções de hoje que se transformem em problemas amanhã. E urge pôr o Brasil em dia, passá-lo a limpo, voltar a produzir crescimento, emprego e renda e, assim, resgatar a confiança e a esperança.

Temos de privilegiar investimentos que garantam a sustentabilidade da expansão econômica, em vez do estímulo exacerbado ao consumo imediato, fonte de popularidade em curto prazo. A busca de equilíbrio fiscal de um país moderno não procura privar ninguém de legítimos direitos “adquiridos” ou não, mas assegurar o processo que estenda a todos o direito de usufruí-los, no seio de um país mais próspero, justo e generoso. Os sofridos brasileiros o merecem. O futuro está em nossas mãos. Não podemos fugir a essa responsabilidade! E o próximo passo está muito perto. Será o voto bem informado, longe de pruridos populistas, promessas vãs e traços messiânico-salvacionistas e conscientes das consequências que poderão custar à Nação. Terá de ser um voto concebido em torno de um objetivo principal: contribuir positivamente para a melhoria permanente do bem comum do povo brasileiro!

* PRESIDENTE DO CONSELHO EMPRESARIAL DE POLÍTICAS ECONÔMICAS DA ASSOCIAÇÃO COMERCIAL DO RIO DE JANEIRO 

Opinião por MARCÍLIO MARQUES MOREIRA