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O buraco negro no caminho

Uma crise de insolvência pública será um desastre para a economia nacional

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Por Redação
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Gastar em obras, educação, saúde e segurança é cada mais difícil para o governo, porque boa parte do dinheiro conseguido com despesa menor e arrecadação maior continua sumindo no buraco negro da Previdência. Ao mesmo tempo, a dívida pública aumenta e já supera três quartos do valor da produção brasileira de bens e serviços – uma proporção muito maior que a encontrada em países como China, Rússia, México, Argentina e várias outras economias emergentes.

No primeiro bimestre, o déficit da Previdência geral chegou a R$ 28,93 bilhões e consumiu mais de metade do superávit primário (sem a despesa de juros) de R$ 46,63 bilhões conseguido pelo Tesouro Nacional, segundo os cálculos do Banco Central (BC). O resultado fiscal apontado por esses cálculos corresponde às necessidades de financiamento e, por isso, pode ser diferente daquele indicado nas contas preparadas pelos técnicos do Tesouro.

Por essas contas, o déficit previdenciário ficou igualmente em R$ 28,93 bilhões no bimestre, mas o superávit primário do Tesouro chegou a R$ 40,87 bilhões, enquanto o BC teve um pequeno déficit de R$ 177 bilhões. Tudo somado, o governo central teve um resultado positivo de R$ 11,76 bilhões acumulado nos dois primeiros meses deste ano.

Depois das transferências a Estados e municípios, sobrou uma receita líquida de R$ 214,59 bilhões, 11,1% maior que a de um ano antes, descontada a inflação. A despesa total, de R$ 202,83 bilhões, foi 0,6% superior à do primeiro bimestre de 2017. Os números mostram tanto o aperto de gastos como o aumento de arrecadação, resultante basicamente da reativação econômica.

A confiança gerada pelo programa de ajustes, a inflação controlada e os juros em queda contribuíram para essa retomada. Mas todo esse esforço é parcialmente anulado por entraves políticos a ajustes e reformas. Sem a aprovação do projeto de reoneração da folha de pagamentos o Tesouro perderá R$ 6,6 bilhões neste ano. Se for aprovado com as deformações introduzidas pelo relator do projeto, o ganho será muito menor que o previsto originalmente, com perdas para as finanças públicas e, portanto, para os cidadãos dependentes dos serviços oficiais. Anônimos e sem poder de pressão esses milhões de cidadãos são com frequência esquecidos no Congresso.

Enquanto a pauta de reformas fica travada e as despesas obrigatórias crescem, puxadas pelos custos da Previdência, o governo central comprime as despesas discricionárias, e, portanto, os investimentos para ampliar e modernizar os serviços públicos e a infraestrutura. Descontada a inflação, as despesas discricionárias nos 12 meses até fevereiro voltaram ao nível de 2009. Esse recuo é um empobrecimento de políticas atribuível principalmente aos desajustes acumulados nas finanças oficiais.

O desarranjo crescente das contas da Previdência é o maior componente desse desarranjo, mas a rigidez orçamentária é atribuível também a outros fatores, como as vinculações de verbas e a indexação de gastos. A reforma previdenciária é só um primeiro passo indispensável para a correção das finanças públicas.

Em 12 meses, o déficit primário do setor público em todos os níveis, medido pelos critérios do BC, chegou a R$ 94,30 bilhões. O da Previdência, parcialmente compensado por alguns fatores positivos, chegou a R$ 184,45 bilhões. Somados os juros, chega-se aos valores nominais. Por esse padrão, o déficit do setor público consolidado atingiu R$ 484,64 bilhões, ou 7,34% do Produto Interno Bruto (PIB), mais que o dobro do limite admitido na União Europeia (3%).

A dívida bruta do governo geral (todos os níveis) atingiu em fevereiro R$ 4,96 trilhões, equivalentes a 75,1% do PIB. Em dezembro de 2016 correspondia a 70%. Em pouco mais de um ano a relação aumentou 5,1% do PIB. Mesmo com baixa de juros, o ritmo continuará acelerado, enquanto os gastos obrigatórios, puxados pela Previdência, subirem como nos últimos anos. O mercado segue esses dados. Uma crise de insolvência pública será um desastre para a economia nacional.