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O cerco a Assad

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Por Redação
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A Liga Árabe, que no sábado passado tomou a ousada decisão de suspender a Síria, depois que o ditador Bashar Assad descumpriu a promessa de sustar a violência contra a oposição ao regime, deu-lhe quarta-feira mais três dias de prazo para enfim respeitar o chamado plano de paz assinado no Cairo no começo do mês e receber cerca de 50 observadores civis e militares da entidade para avaliar a situação no país. Os resultados da prorrogação são incertos. Nem Assad demonstra na prática alguma disposição para deixar de reprimir a insurgência com a brutalidade assassina empregada até agora e efetivar as reformas liberalizantes que anunciara nem a Liga Árabe parece ter ideia clara do que fazer se a matança continuar nas ruas sírias. "Ninguém pode prever o que acontecerá em seguida", resumiu o diário Al Quds al Arabi, publicado em Londres. Fala-se em boicote econômico e retirada de embaixadores.Neste oitavo mês de protestos, por sinal, o número de mortos chegou a inéditos 376 em apenas duas semanas, fazendo o total alcançar 3.500, a esmagadora maioria dos quais manifestantes abatidos pelas forças militares e dos serviços de segurança, apoiadas por artilharia pesada. Assad tampouco se deu ao trabalho de enviar o seu ministro do Exterior para a reunião dos chanceleres dos 22 Estado-membros da Liga em Rabat, no Marrocos, que adiou o vencimento da fatura política exigida de Damasco. Além disso, o ditador praticamente não moveu uma palha para impedir atos de vandalismo contra as representações diplomáticas da Arábia Saudita, Catar, Emirados Árabes, Jordânia e Turquia (que não integra a organização) e, ainda, da França. Os respectivos governos têm criticado duramente a brutalidade de Assad contra os seus concidadãos.A Turquia, por exemplo, que abriga 10 mil fugitivos sírios, anunciou a suspensão dos projetos conjuntos com o vizinho país no setor de petróleo e ameaça interromper a transmissão da energia elétrica que lhe destina. Por menos que isso afete a economia síria, é um ominoso sintoma de isolamento internacional da tirania de Assad, em virtude, entre outras coisas, do papel cada vez mais ativo de Ancara na política regional. "O banho de sangue não pode prosseguir", disse o chanceler turco Ahmet Davutoglu, que acompanhou a reunião de Rabat. Em agosto, ele tentou, em vão, negociar uma trégua entre Damasco e os seus opositores. A Jordânia, por sua vez, foi o primeiro país árabe a exigir a renúncia de Assad. E o rei jordaniano Abdullah propôs ao primeiro-ministro britânico, David Cameron, que o Reino Unido se engajasse na criação de um "grupo de contato" para coordenar as políticas árabes e ocidentais em relação à Síria.O termo é carregado. Designou os entendimentos entre a Liga Árabe, a União Europeia e os Estados Unidos que conduziram à intervenção militar da Aliança Atlântica na Líbia, decisiva para a derrubada do regime de Muamar Kadafi. Mas algo do gênero não está nem remotamente nos planos de qualquer governo ocidental ou árabe, embora, em seguida à morte do coronel líbio, manifestantes sírios tenham pedido o estabelecimento de uma "zona de exclusão aérea" no país para conter a repressão de que são alvo - e embora o Irã dê apoio logístico a Assad, incluindo o envio de pelo menos 300 membros da Guarda Revolucionária, temida por seus métodos repressivos, como conselheiros. A República Islâmica é o único sustentáculo da Síria no Oriente Médio - o que provavelmente ajuda a explicar a escalada anti-Assad de governos não menos despóticos do Golfo Pérsico, como os da Arábia Saudita e Catar.De todo modo, a insurgência teria cruzado a fronteira da militarização, a tomar pelo valor de face a versão do autodenominado Exército Livre da Síria sobre o seu ataque, anteontem, com morteiros e granadas, à sede do órgão de repressão da Força Aérea, em Harasta, na estrada que liga Damasco a Aleppo. A organização, formada por desertores do Exército e comandada por oficiais refugiados na Turquia, reivindica ainda três incursões nos subúrbios da capital. Se ocorreram, corroboram as reiteradas alegações de Assad de que enfrenta "bandos armados" e não manifestantes pacíficos. Daí as dúvidas sobre os episódios.