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O crime compensa

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Por Redação
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Não há como deixar de constatar o irrealismo da legislação eleitoral brasileira, que cria certas restrições a pretexto de proporcionar igualdade de oportunidades a todos quantos disputem mandatos eletivos, mas tem pouco ou nada que ver com a dinâmica do processo político. Assim, uma legislação detalhista acaba sendo paradoxalmente ambígua, cheia de indefinições e de limites imprecisos entre o que se pode e o que não se pode fazer. Exemplo claro disso são as regras que distinguem a propaganda partidária em horário gratuito de rádio e televisão, e a propaganda eleitoral, propriamente dita. A propaganda partidária deve ter caráter institucional, distribuída pelos partidos durante os meses do ano (seja eleitoral ou não), enquanto o horário eleitoral se restringe aos meses que antecedem as eleições. Se aquela se destina a, genericamente, promover os partidos e seus programas, esta tem o objetivo de divulgar candidaturas específicas. Ocorre, porém, que os partidos têm de referir-se a seus programas de governo ? já realizados ou por realizar ?, a seus líderes e, sobretudo, àqueles que julgam em condições de conduzir suas gestões públicas, a saber, seus candidatos. Pretender distinguir, claramente, quando um programa em horário gratuito está divulgando um partido ou está defendendo uma candidatura é um exercício fútil.Pela terceira vez, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) multou o presidente Lula ? em R$ 5 mil ?, por entender que ele fez propaganda antecipada da candidata que escolheu para sua sucessão. A punição referiu-se a fatos ocorridos na inauguração, em 9 de fevereiro, da Universidade Federal de Teófilo Otoni, em Minais Gerais. Para 4 dos 7 ministros do TSE, Lula aproveitou indevidamente o evento para promover sua candidata. Já em março, o TSE multara o presidente Lula duas vezes ? no total de R$ 15 mil ? igualmente por propaganda não permitida em favor de Dilma Rousseff, durante eventos no Rio e em São Paulo. Na última quinta-feira o TSE decidiu que o Partido dos Trabalhadores (PT) deverá pagar R$ 20 mil de multa e a pré-candidata Dilma, R$ 5 mil, por "propaganda antecipada" ocorrida em dezembro. O curioso é que a punição ? que inclui a suspensão do programa partidário do PT no primeiro semestre de 2011 ? foi determinada pelo TSE uma hora e meia depois de já ter ido ao ar um outro programa partidário do PT que, escancaradamente, fez a propaganda eleitoral da pré-candidata Dilma. Durante todo o programa, que se destinava à divulgação exclusiva do partido, a sigla "PT" só foi citada uma vez.Claro está que as punições determinadas pela Justiça Eleitoral são de peso financeiro irrisório para qualquer campanha eleitoral ? sabendo-se desde sempre que a pessoa física do punido não arcará jamais com essa despesa. Feito o cálculo custo-benefício, fica claro que é vantajoso transgredir a legislação eleitoral. O crime compensa, pois dá ao transgressor grande visibilidade eleitoral. Os partidos que apoiam o candidato José Serra em poucos dias terão o mesmo espaço, em cadeia nacional de rádio e televisão, para fazer a propaganda partidária, como fez o PT na última quinta-feira. A do DEM será dia 27 de maio, a do PSDB dia 17 de junho e a do PPS dia 24 de junho. Como a última punição do TSE ao PT foi dada em meados de maio, por transgressão ocorrida em 9 de fevereiro, os partidos oposicionistas só podem esperar o mesmo ritmo de julgamento da Justiça Eleitoral ? e punições igualmente irrisórias, já que todos anunciam que farão o que o presidente Lula e o PT têm feito até agora: a propaganda eleitoral antecipada.Mas há um problema nesse consenso tácito de desrespeito à lei. Se a lei é ruim deve ser mudada e enquanto não o for deve ser obedecida. É um péssimo exemplo para as atuais e futuras gerações o desprezo escrachado por leis vigentes. Se é possível fazer o que é proibido, tudo será permitido. Pior ainda ? muito pior ? é quando o frontal desrespeito à lei vigente emana de um chefe de Estado e governo, pois com isso ele desmoraliza o regime democrático, que é o regime das leis.