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O desafio da reforma aérea

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Por Redação
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Pressionado pelo clamor público provocado por 350 mortes em duas catástrofes aéreas, o Planalto começa, enfim, a dar os primeiros passos para empreender, ou assim se espera, a premente reforma do sistema de transporte aéreo, uma empreitada desafiadora até para governos dotados de descortino, competência e determinação de realizar, o que não é exatamente o caso deste - como sabe muito bem o novo ministro da Defesa, Nelson Jobim. A causa imediata do apagão no setor está na obsolescência do sistema de controle do tráfego no espaço nacional. Mas a pane do transporte aéreo, em última análise, se iniciou com a quebra da Varig. A partir daí, quase tudo mudou no negócio da aviação civil no Brasil, já então sob o duopólio TAM/Gol. Notadamente, o inchaço da demanda, com o ingresso acelerado de dezenas de milhares de novos usuários, e a lucrativa concentração das rotas no insuficiente, inadequado e inseguro Aeroporto de Congonhas. Nesse processo, ficou patente o descalabro da gestão do serviço, compartilhada por uma penca de órgãos federais desarticulados, ineptos, tomados pela politicagem, caudatários dos esquemas das companhias, quando não mergulhados em negócios escusos com os múltiplos protagonistas privados que atuam na área. Eis por que, se é consensual o imperativo de devolver ao setor a racionalidade, eficácia, segurança e o respeito elementar ao público pagante, que já teve, por meio de amplas mudanças nesse ramo da atividade clamorosamente vital para a economia, a sociedade e o funcionamento de qualquer país, no mundo de hoje, está claro também que a reforma deve começar pelo reordenamento profundo dos padrões de intervenção do Estado no setor. E isso, enfim, equivale à proverbial limpeza das estrebarias de Áugias, em especial na Agência Nacional de Aviação Civil, a loteada Anac, e na Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária, a corroída Infraero. Tudo isso poderia ter sido evitado não fosse o vício enraizado na administração pública brasileira chamado imprevidência. Alguns exemplos vêm a calhar. Entre as medidas mais citadas para desafogar Congonhas está a construção de um terceiro terminal e de uma terceira pista no Aeroporto de Cumbica, em Guarulhos, o que dobraria a sua atual capacidade, da ordem de 16 milhões de passageiros por ano. Ocorre, como mostrou reportagem publicada quarta-feira neste jornal, que o terceiro terminal sem a terceira pista seria um contra-senso, e a terceira pista exigiria desalojar os 20 mil moradores dos oito bairros que brotaram no entorno de Cumbica. Estima-se que as indenizações a serem pagas dariam para erguer um novo aeroporto em São Paulo. Nesse caso, a imprevidência - combinada, como de hábito, com a sonante influência da especulação imobiliária sobre as decisões de câmaras municipais e prefeituras - consiste em que nada se fez para impedir esse adensamento, embora a terceira pista já constasse do Plano Diretor de Cumbica desde 1981! Hoje, o aeroporto corre o sério risco de se transformar, em uma década, em um novo Congonhas, saturado e sem alternativas de expansão. Por imprevidência, os usuários de Cumbica são obrigados a percorrer a via-crúcis da Marginal do Tietê, à falta da linha de metrô que foi cogitada e descartada. "Basta um motoqueiro cair na marginal que se perde o avião", resume a urbanista Regina Monteiro. É por isso que se anuncia, agora, a construção de um terceiro aeroporto para São Paulo, que só mesmo na fantasia do Planalto poderia ficar pronto em apenas seis anos, custando não mais do que R$ 5 bilhões. (Se é verdade que o governo pensa engavetar em surdina a sua própria idéia, palmas para ele.) Ao mesmo tempo, redescobre-se o Aeroporto de Viracopos, em Campinas, a 99 quilômetros da capital, abençoado por condições atmosféricas únicas. Não fosse a imprevidência - e pode-se supor o que mais -, Viracopos já estaria sendo ampliado para contar com três pistas e seis terminais, a fim de receber 40 milhões de passageiros por ano. E, não fosse a imprevidência, teria saído do papel o plano do governo Paulo Egydio de construir uma linha férrea expressa até o aeroporto, no canteiro da Rodovia dos Bandeirantes. Há razões de sobra, pois, para temer pelo destino da reforma aérea. Resta esperar, parafraseando o novo ministro da Defesa, Nelson Jobim, que ele aja e ela saia.